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Deixa que digam

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por Dora Kramer, no Estadão

Se você acredita que Dilma Rousseff e Luiz Inácio da Silva estão dando grande importância aos reclamos de petistas indignados com a virada na economia ou às críticas de “estelionato” feitas pela oposição devido aos atos contrários às palavras ditas na campanha, é porque não está com a memória em dia.

Não lembra que há 12 anos o PT percebeu que para chegar ao poder, e nele conseguir se manter, seria indispensável abrir mão da coerência e aderir sem restrições ao mais absoluto pragmatismo? Sob todos os aspectos. Para o bem e para o mal. A parte boa disse respeito à economia. Como agora. Não faz muito tempo o ex-presidente Lula andou dizendo que assinou contrariado a Carta aos Brasileiros.

Pois sim. Foi a fiança que o permitiu se eleger, governar e ser celebrado pelo bom senso de ter esquecido tudo o que o PT tinha escrito e dito anteriormente. O país não lhe cobrou satisfações. Ao contrário, respirou de alívio. E, na ocasião, deixou barato o fato de aquele bom legado ser chamado de “herança maldita”. Houve aqui e ali inquietações. Inesquecível o dia em que, logo no início do governo, o marqueteiro recentemente vitorioso, Duda Mendonça, diante da indagação sobre a aparente contradição de ter feito uma campanha baseada na promessa de mudança da política econômica saiu-se com esta: “E você [esta aqui que vos fala] quer mudança maior do que essa?”. Ou seja, mudando de posição estava cumprida a promessa.

Mas quase ninguém estava ligando para esse tipo de detalhe. Quando veio a adesão do governo à reforma da Previdência (setor público) que tanto combatera enquanto oposição, tampouco me esqueço. Cobrado, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, em entrevista ao Estado de S. Paulo, respondeu secamente que o governo não devia explicações. Um dos únicos a reconhecer que seria necessário o partido ao menos fazer uma autocrítica, a fim de rever posições, reconhecer os erros do passado e tocar a vida em frente com transparência foi Aloizio Mercadante. Falou no assunto só uma vez e calou-se para sempre. Já um grupo de deputados e militantes continuou inconformado e logo deixou o partido. Daí surgiu o PSol, embora nem todos tenham aderido ao projeto.

Como também a crítica não era só essa. Incluía a exacerbação do pragmatismo nas alianças feitas com figuras notórias da pior qualidade, em nome de uma política que segundo Lula, ainda na Presidência, dizia ser a única possível de ser exercida no país. Resumiu à época numa frase: “No Brasil, Jesus teria de fazer aliança com Judas”.

E assim foi o partido perdendo-se em seus desvãos, dando o dito pelo não dito, desqualificando a crítica, a oposição e até mesmo a opinião dos seus. Até que uma voluntariosa tentativa de volta às origens na área econômica juntou-se à vocação autoritária e o governo da presidente Dilma Rousseff quase pôs ao chão o projeto de poder.

Fez-se o diabo e mais um pouco para segurar aquela cadeira no Palácio do Planalto. Uma campanha tão obviamente sustentada em mentiras que nem mesmo a candidata conseguia desenvolver os raciocínios. Não faziam sentido, pois uma vez que as premissas eram falsas não havia lógica que conseguisse carregar ideia alguma até o fim do caminho.

Nada do que se vê agora é estranho. A não ser a estranheza. Vai se repetindo a toada: deixa que digam, que pensem, que falem, deixa isso para lá, vamos lá, o que é que tem. A esquerda reclama e cobra que o governo insista nos erros; a oposição denuncia uma incoerência que ao governo serve muito bem quando necessita dos quadros oposicionistas.

Enquanto isso, Lula e Dilma ganham tempo para acalmar o centro e reconquistar-lhe a confiança com as armas de 2003. Há, porém, um detalhe: as circunstâncias são outras.