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NA CRISE, NÃO REMAR CONTRA A CORRENTEZA

A notícia da queda de 3,6% no PIB brasileiro do fim do ano passado assustou, por antecipar uma recessão contratada ao longo de 2009; fazendo cessar declarações otimistas de participantes da cena econômica e do governo, de que a crise não atingiria o país, que chegaria suave e assim por diante. Mas essa “queda das alturas do penhasco” não deve afastar a linha de racionalidade no enfrentamento da crise global, porque quando a força da correnteza é grande demais o remador sensato cuida de evitar os obstáculos até encontrar um ponto seguro para prender o barco ou saltar dele. Nesta altura remar contra a corrente não faz boa figura – sobretudo na véspera de um ano de eleições gerais.

Uma vez superada a tese de que os países emergentes teriam mais “resiliência” para contornar a crise, os arautos dessa profecia se refugiam em outra: a da existência de sinais de recuperação não devidamente apreciados pela erosão de expectativas. O problema é que, sendo a economia uma ciência social, seus indicadores operam dentro de limiares psicológicos que resistem além dos números: quando a tendência é favorável as pessoas vêem tudo azul, mas quando os ventos mudam se estabelece um pessimismo difícil de curar. E como afastar essa nuvem-cinza quando a perda acumulada de riqueza – os tais “ativos financeiros” – passa de 50 trilhões de dólares?

trecho do artigo do jornalista Rafael de Lala. Leia sua íntegra aqui.

Na crise, não remar contra a correnteza

Na crise, não remar contra a correnteza

por Rafael de Lala

A notícia da queda de 3,6% no PIB brasileiro do fim do ano passado assustou, por antecipar uma recessão contratada ao longo de 2009; fazendo cessar declarações otimistas de participantes da cena econômica e do governo, de que a crise não atingiria o país, que chegaria suave e assim por diante. Mas essa “queda das alturas do penhasco” não deve afastar a linha de racionalidade no enfrentamento da crise global, porque quando a força da correnteza é grande demais o remador sensato cuida de evitar os obstáculos até encontrar um ponto seguro para prender o barco ou saltar dele. Nesta altura remar contra a corrente não faz boa figura – sobretudo na véspera de um ano de eleições gerais.

Uma vez superada a tese de que os países emergentes teriam mais “resiliência” para contornar a crise, os arautos dessa profecia se refugiam em outra: a da existência de sinais de recuperação não devidamente apreciados pela erosão de expectativas. O problema é que, sendo a economia uma ciência social, seus indicadores operam dentro de limiares psicológicos que resistem além dos números: quando a tendência é favorável as pessoas vêem tudo azul, mas quando os ventos mudam se estabelece um pessimismo difícil de curar. E como afastar essa nuvem-cinza quando a perda acumulada de riqueza – os tais “ativos financeiros” – passa de 50 trilhões de dólares?

Haverá recuperação, num tempo possível que alguns medem em três a cinco anos, mas o fato é que ela poderá chegar com novos países e forças econômicas – assinala o professor Paulo Tenani, após servir no centro do império financeiro desenvolvido. Nações que se afastaram da dinâmica “poupança-consumo” tendem a permanecer sob estagnação, enquanto o crescimento se concentra nos países emergentes, onde as relações econômicas se mostram mais favoráveis (produtividade do capital, composição da força de trabalho, ambiente empreendedor, etc).

Para operar como força autônoma nesse cenário, contudo, os países precisam guardar alguma dimensão de mercado interno – admite um diretor do Banco Mundial. Entre os emergentes de escala a China foi o primeiro país a anunciar uma política anticíclica: além de um plano de obras substancial, cortou tarifas e impulsionou as exportações.

O Brasil também se enquadra nessa categoria, com as melhorias de produtividade e de distribuição de renda dos últimos anos permitindo um grau maior de liberdade para blindar flutuações externas – concorda o ex-ministro do Planejamento, Paulo Haddad. Significativa nesse ponto foi a resposta do governo brasileiro à cobrança de mais abertura comercial, feita pela Organização Mundial de Comércio: “estamos realizando a abertura que julgamos adequada”.

Num nível mais imediato, podem ainda, ser adotadas medidas compensatórias para amenizar a crise no campo social, como a ampliação de redes de proteção aos mais pobres, apoio aos trabalhadores em recolocação, lançamento do cogitado plano de habitação, etc. Porém não há fôlego para ações mais amplas, dadas a limitação das reservas externas, do orçamento público e a contração geral acarretada pela instabilidade.

No limite, isso significa, contudo, que apenas estancamos a hemorragia, mas curar o doente requer mais cuidados e recursos no momento não disponíveis; mesmo porque – vimos – um dos efeitos devastadores da crise global é a redução da margem de ação dos governos nacionais. Tudo aponta, portanto, para o cuidado de não remar contra a correnteza; antes buscar a coordenação de esforços para uma atuação conjunta nos foros internacionais – como a próxima reunião do G-20 – visando a retomada em futuro mais ou menos possível.

Rafael de Lala, jornalista e presidente da API (Associação Paranaense de Imprensa)