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Por hora, 282 pessoas ficam desempregadas no País

Crise no mercado de trabalho se acentuou nos últimos meses ao atingir os setores de comércio e serviços

Luiz Guilherme Gerbelli e Anna Carolina Papp, Estadão

O Brasil dos desempregados já tem quase a mesma população de Portugal: beira os 10 milhões de habitantes. Por hora, 282 brasileiros passam a fazer parte desse contingente, segundo cálculos do economista e blogueiro do Estado Alexandre Cabral. É gente como Adeíldo dos Santos, pai de três filhos, que está sem emprego há seis meses; como o haitiano Vito Pharius, que chegou a São Paulo há um ano, sem a família, e até hoje não conseguiu assinar a carteira de trabalho. É gente como André Vernilo, de 21 anos, que acabou de pegar o diploma de relações públicas, mas não consegue achar uma vaga na área; ou como Wagner Soares, ex-­funcionário de uma fábrica de autopeças, hoje vendedor ambulante no viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo.

A estimativa é de que, até o fim do ano, serão 12 milhões de histórias como essas no País. Vai ser cada vez mais difícil não conhecer alguém que esteja desempregado. E, para quem já está sem emprego, a dificuldade será encontrar portas onde bater. “Isso é muito grave, porque com exceção da agricultura, não há mais nenhum setor livre do fantasma do desemprego”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados. “E não se trata de uma crise conjuntural, com uma queda temporária. O problema é estrutural.”

A nova onda de retração no mercado de trabalho ficou evidente a partir do segundo semestre do ano passado, quando os setores de comércio e serviços – grandes empregadores de mão de obra – começaram a demitir com mais força. A piora se somou aos desligamentos na construção civil e na indústria, em crise há mais tempo.

Em 2015, o comércio fechou 208 mil postos de trabalho, depois de mais de dez anos de criação de vagas. “Para este ano, estamos esperando o corte de 220 mil postos, já que o ajuste começou mais tarde no setor e muitos seguraram as demissões por causa dos custos”, afirma Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio. No comércio, diz Bentes, contratação é sinônimo de crescimento nas vendas – o que não está acontecendo. Em 2015, as vendas recuaram 8,6% e, neste ano, devem cair 8,3%.

O que ajuda a explicar a forte piora nos setores de comércio e serviços é a queda da renda do Brasil. Em 2015, o recuo real – quando descontada a inflação – foi de 3,7%. A última queda havia sido observada em 2004, de 1,4%. Neste ano, deve chegar a 2,5%. “Se existiam sinais de que poderia haver uma melhora das condições do mercado de trabalho, os últimos dados mostram que todas as fontes fecharam”, diz Claudio Dedecca, professor da Unicamp.

Morador de Diadema, Adeíldo Alfredo dos Santos, de 39 anos, descobriu isso na prática. Há seis meses sem trabalho, ele não tem mais para onde correr. O seguro-­desemprego já acabou. O carro, que valia cerca de R$ 12 mil, foi vendido. E o dinheiro não para de sair da conta – restam apenas R$ 10 mil na poupança, que prometem voar com o aluguel, de R$ 850 mensais, e as outras despesas do dia a dia da família.

“Quando fui demitido, ficamos sem nenhuma renda, pois a minha esposa fica em casa com nossos três filhos pequenos”, conta ele, que trabalhava na indústria da borracha. “Não tenho saída a não ser arranjar outro emprego. Mas está péssimo – as vagas estão afunilando cada vez mais”, diz. “Aceito qualquer coisa em qualquer lugar.” No último emprego, Adeíldo ganhava R$ 2 mil por mês. Há alguns anos, chegou a ganhar R$ 3 mil. “A minha condição de vida era melhor uns tempos atrás. Foi em 2013 que as coisas começaram a piorar”, conta.

Não foi só para ele que as coisas mudaram rápido demais. “Em menos de dois anos, o Brasil deixou a condição de pleno emprego”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria Integrada. A velocidade com que o mercado de trabalho se deteriorou tem impressionado economistas. “Até o início de 2014, os empresários esperavam uma recuperação e eles seguraram o quanto puderam para não demitir”, diz Mendonça de Barros. “Quando eles perderam a esperança, foi uma correria para ajustar a estrutura.”

Até Porto Alegre, que em 2011 foi batizada de “a capital do pleno emprego”, já sofre com aumento das demissões. Dados da Fundação de Economia e Estatística, da Secretaria de Planejamento do Rio Grande do Sul, mostram que a taxa atingiu os dois dígitos na região metropolitana em fevereiro: 10,1%. Há um ano, estava em 5,8%. Esse cenário atinge gaúchos como Guilherme Pinto, de 37 anos. Técnico em publicidade e propaganda, seu maior período sem emprego foi em 2015, quando ficou nove meses parado. “Tive de usar o FGTS e o seguro­-desemprego.”

No fim do ano passado, ele até achou uma vaga, mas a empresa fechou as portas em janeiro. “Fiquei dois meses empregado ganhando menos de R$ 1 mil.” Guilherme mora com a mãe, funcionária pública aposentada por invalidez, que sustenta os dois com menos de R$ 1,3 mil mensais. “Minha rotina agora é fazer cadastro em sites de emprego, enviar currículos e pedir indicações de amigos”, conta.

Sem vagas no Brasil, jovem vai tentar a sorte no Canadá

Desde que se formou em relações públicas, em dezembro, André Vernilo, de 21 anos, só foi chamado para uma entrevista de emprego – pouco para quem chegou a enviar, em apenas um dia, 50 currículos pelo LinkedIn, uma rede social de contatos profissionais.

A dificuldade de André ilustra um dos piores momentos dos jovens no mercado de trabalho nas últimas décadas. Na região metropolitana de São Paulo, a Pesquisa de Emprego e Desemprego, feita pela Fundação Seade e pelo Dieese, ostrou
que o desemprego entre a população de 16 a 24 anos chegou a 31% em fevereiro. “Essa taxa só tem comparação com o que ocorreu em 2004”, afirma Alexandre Loloian, economista da Fundação Seade e coordenador da PED. “Em abril daquele ano, a taxa de desemprego entre os jovens chegou a 34%. Perdeu-­se todo o avanço que houve nesse período”, diz.

Entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016, os trabalhadores com idade entre 16 a 24 anos perderam 146 mil postos de trabalho só na região metropolitana de São Paulo. E o contingente de desempregados aumentou em 173 mil pessoas

No caso de André, a atual falta de perspectiva parece ser maior do que qualquer esperança de melhora. Se os planos dele saírem como o planejado, em junho, deve se mudar para Toronto, no Canadá, onde vai morar com um primo. “Está quase tudo certo. Só preciso do visto”, diz André. “Inicialmente, vou para estudar inglês e tentar arrumar coisa por lá. A ideia é não voltar para o Brasil.”

A situação fica ainda mais complicada quando o sustento da família depende do jovem. Casado e com um filho, Mauro Sérgio da Silva, de 23 anos, perdeu o emprego de pedreiro há quatro meses. “Está muito difícil, não tem vaga. Tenho vários colegas na mesma situação”, conta. O jeito foi cortar os gastos. “A gente deixou de comprar algumas coisas, como biscoito”, diz. “E quando saímos para passear, levamos o lanche.”

Legado negativo. O desemprego entre os jovens tende a ser mais elevado do que o restante da população. A mesma pesquisa que mostrou a desocupação entre os jovens acima de 30% apontou que a desocupação total na região metropolitana foi de 14,7%. “Os jovens ficam mais desempregados do que os adultos porque entram e saem do mercado com mais frequência e ficam pouco tempo no emprego”, diz Naercio Menezes Filho, coordenador do centro de políticas públicas do Insper.

A desocupação entre jovens costuma deixar um legado negativo para qualquer economia. A ausência de um emprego faz com que o capital humano que o jovem adquiriu com os anos de estudo seja depreciado, por exemplo. “Quanto mais tempo ele ficar desempregado, maior é essa perda”, diz Menezes. “E ele deixa de acumular capital específico, que é o treinamento da empresa.”

Sem vagas formais, bicos e negócio próprio viram opção

A busca frustrada por uma recolocação no mercado de trabalho se tornou uma oportunidade para o casal Natacha Ribeiro e Gilberto Ribeiro Júnior colocar em prática dois planos que até então não passavam de vagas ideias: mudar da capital para o interior de São Paulo e transformar o hobby de cozinhar em um negócio. Eles fazem parte do contingente de brasileiros que, empurrado pelo fechamento de vagas, começou a trabalhar por conta própria.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, na comparação do trimestre encerrado em janeiro 2016 com o mesmo período do ano passado, mais de 1,3 milhão de pessoas passaram a trabalhar por conta própria – um avanço de 6,1%. Já o número de empregados com carteira assinada recuou 3,6% na mesma comparação.

Natacha, arquiteta, trabalhava desde 2011 para uma pequena construtora que fazia, principalmente, obras do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, e do CDHU, do governo estadual paulista. “No ano passado, as obras novas pararam, e eu trabalhava no setor comercial, que cuidava de concorrências e projetos”, conta. Ao ser demitida, em setembro, enviou dezenas de currículos – sem sucesso. “Na Catho, por exemplo, tinha apenas 50 vagas em arquitetura para todo o País.”

O marido, que atuava com tecnologia da informação, havia saído do emprego em abril, e desde então já trabalhava por conta própria. Os clientes, porém, eram poucos. “Depois que eu saí do emprego, ficamos sem praticamente nenhuma renda”, diz Natacha.

Foi aí que eles cogitaram investir de vez no que era um hobby de Júnior. Ele, que sempre gostara de cozinhar, começou a desenvolver receitas de hambúrguer, a preparar para os amigos e, aos poucos, a fazer pequenos eventos. “Com a minha rescisão, investimos R$ 50 mil para comprar um veículo e abrir um food truck, o Harmona Burguer”, diz Natacha.

A aposta veio junto com outra grande decisão: mudar para Araras, interior de São Paulo, onde já moravam os pais de Júnior. “O custo de vida é mais baixo. Além disso, como estávamos pensando em abrir um food truck, em São Paulo esse modelo já está saturado, mas no interior ainda é novidade”, diz ela.

O casal se mudou com seus dois filhos pequenos em outubro, e em dezembro deram início ao novo negócio. Eles abrem de quinta a domingo à noite. “Conseguiremos ter lucro só a partir de um ano. Mas a gente está conseguindo se manter e pagar as contas, então para nós está sendo muito bom.” A renda mensal líquida da família é de R$ 3 mil.

O desemprego também tem impulsionado os chamados bicos, os empregos esporádicos. Depois de ser demitido da indústria, Eduardo Rocha começou a fazer bicos como “marido de aluguel”. “Faço de tudo: da instalação elétrica completa da casa a trocar uma resistência de chuveiro. Até trocar pneu de carro eu já fui.” O que era bico virou negócio: com divulgação via sites e redes sociais, ele começou a ganhar o equivalente ao que ganhava na indústria, por volta de R$ 3,5 mil mensais. “Em meses bons dava pra tirar até R$ 5 mil”, diz.

Com a crise, porém, a demanda vem caindo. Hoje, tira por volta de R$ 2 mil por mês. O orçamento fica apertado: Eduardo paga R$ 900 de aluguel e R$ 400 de pensão, e viu as despesas básicas subirem. A solução foi se virar mais uma vez: ele comprou um veículo num leilão, por R$ 28 mil, e hoje também faz carreto. “Comecei com as mudanças para tentar abrir o leque. Mas, pelo investimento que eu fiz, esperava mais serviço.”

Imigrantes sentem retração

O haitiano Vito Pharius está no Brasil há um ano. Deixou a economia mais pobre da América Latina, arrasada pelo terremoto de 2010, com o sonho de construir uma vida melhor. Aos 22 anos, ele tem sentido diretamente o mau momento da economia brasileira. Desde que desembarcou no País, só fez bicos. Sem emprego, não conseguiu pagar o aluguel em Itaquera, na zona de leste de São Paulo, e agora mora de favor com um amigo. “Com paciência, tudo vai dar certo.”

Para muitos haitianos, o terremoto de 2010 representou um agravamento das condições de vida – no dia do tremor, Vito não reconhecia mais a rua onde morava e só conseguiu encontrar a família três dias depois. Ele só conseguiu um emprego precário numa rodoviária. Nem sempre recebia o salário. “Eu só quero voltar para o Haiti para passear. De certa forma, para mim, o Brasil não está ruim”, diz. Lá deixou a mãe, o pai e a irmã. No início da década, no período em que o Brasil emergia como uma nova potência e se orgulhava da situação de pleno emprego, milhares de imigrantes fizeram a trajetória de Vito. Na época, o risco de uma deterioração do mercado de trabalho parecia distante.

“Em 2014, estávamos vivendo uma fase bem interessante. Às vezes, fechávamos os meses com 600 vagas. Hoje, a realidade é bem diferente: no primeiro trimestre, 153 pessoas foram contratadas”, diz Ana Paula Caffeu, coordenadora do Eixo Trabalho, responsável pela mediação entre os imigrantes e empresas que buscam mão de obra.

Os números oficiais também mostram que a economia brasileira ganhou ares de decadência para os imigrantes. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social, em 2015, foram concedidas 36.868 autorizações para trabalhadores estrangeiros. Em 2014, foram 46.740.

Com a crise brasileira, já há relatos de imigrantes que desistiram do Brasil e partiram para outros países, como o Chile.

Nas ruas de SP, mais ambulantes

O trabalho ambulante foi a saída encontrada por Wagner Oliveira Soares, de 32 anos, para conseguir uma renda mensal. Sem receber salário, ele decidiu, em agosto do ano passado, pedir demissão. Trabalhava em uma empresa de autopeças, um dos setores da indústria mais prejudicados pela crise atual.

Sem emprego, se uniu a um amigo e decidiu produzir e vender miniaturas de capacete no Viaduto Santa Ifigênia, Centro de São Paulo. A dupla só não contava esbarrar em uma das recessões mais profundas da história do País. Hoje, comemoram quando chegam ao fim do dia com quatro peças vendidas. Até o fim do ano passado, conseguiam negociar 20 peças. Cada uma é vendida R$ 10. “Alguns dias são ainda piores. Chorando, eu consigo vender duas peças.”

Nos períodos de alta de desemprego, o comércio ambulante acaba se tornando uma opção para quem perdeu o emprego. A União dos Lojistas da Rua 25 de Março e Adjacências (Univinco), por exemplo, já notou um aumento de comércio ambulante na região. Atualmente, de acordo com a Prefeitura de São Paulo,

aproximadamente 2,5 mil comerciantes possuem Termo de Permissão de Uso (TPU) e estão autorizados a comercializar mercadorias na cidade. Desde 2007, a Prefeitura não emite mais TPUs para ambulantes. Hoje, as licenças são emitidas para quem vende comida de rua. Até fevereiro, eram 632.

O cenário de crise no comércio ambulante também fica evidente no relato dos trabalhadores mais antigos. O boliviano Zenon Cori, de 31 anos, é vendedor desde 2009. Ele diz nunca ter enfrentando um período tão difícil. Por dia, consegue R$ 50 vendendo as pulseirinhas que produz. “No auge, eu conseguia R$ 300.”

Zenon mora em Osasco e o que gasta em passagem consome praticamente metade do que consegue ganhar. Com a queda na renda, já atrasou o aluguel. O quadro financeiro só não é pior porque a esposa trabalha no setor de limpeza e ajuda nas despesas da casa. “Só não vou deixar a minha filha passar fome”, diz.