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O papel do BNDES no caso Marchiori

Folha de São Paulo

Conforme a Folha revelou no mês passado, a socialite Val Marchiori obteve um financiamento no Banco do Brasil, de R$ 2,7 milhões, a juros de 4% ao ano –bem abaixo da inflação, que anda na casa de 6,5%.

O governo não arrecada o suficiente para pagar suas contas. É o que se chama de déficit. Dessa forma, o Tesouro Nacional precisa contrair dívida para honrar suas obrigações. Para pegar dinheiro emprestado no mercado, o Tesouro usa como referência a taxa básica da economia, a Selic, hoje em 11,25% ao ano. Numa conta de padaria, o governo paga 11,25% a quem lhe empresta dinheiro, de um lado, e cobra de Val Marchiori 4%, do outro. Quem paga essa diferença são os contribuintes que recolhem seus impostos em dia.

O BB fez uma verdadeira ginástica, para dizer o mínimo, para conceder o financiamento a Marchiori. Contrariou uma série de normas internas da instituição para enquadrar a operação nos moldes exigidos pelo BNDES, de onde saiu a linha de crédito para o empréstimo, destinado à compra de cinco caminhões.

Primeiro, o BB aprovou o limite de R$ 3 milhões para a socialite. Depois a orientou a tampar os buracos. A empresa usada por Marchiori para obter o crédito, a Torke Empreendimentos, não tinha demonstrações contábeis válidas legalmente nem previsão no contrato social para “aluguel de caminhões”, objeto da proposta de financiamento.

A área de risco de crédito do BB verificou que as demonstrações contábeis da Torke entre 2009 e 2011 e o balancete de 2012 não estavam assinados nem registrados. Ou seja, não tinha valor legal algum. Os documentos são fundamentais para comprovar o faturamento e aferir a capacidade de pagamento de um financiamento.

A área de crédito determinou que a agência onde Marchiori pleiteou o crédito colhesse as assinaturas das demonstrações contábeis e as autenticasse.

Na data em que o BB aprovou o limite de R$ 3 milhões, 10 de junho do ano passado, a área de atuação da Torke era consultoria e marketing, e sua fonte de receitas eram a pensão alimentícia dos filhos de Marchiori e os ganhos dela como apresentadora de TV. A Torke só passou a ter “aluguel de caminhões” em seu objeto social em 20 de junho, menos de dois meses antes de o BNDES aprovar a operação.

O BB teve ainda que driblar outras regras para conceder o crédito, como desconsiderar dívida não paga por Marchiori ao banco, falta de capacidade financeira compatível com o valor solicitado e aceitar pensão alimentícia como receita, cuja penhora é inconstitucional.

Mesmo diante de todos esses indícios de irregularidades, o BNDES insiste em afirmar que, de seu ponto de vista, a operação está correta.

Por suas regras, o BNDES pode rever financiamentos concedidos por outros bancos. Se constatar irregularidades, pode desclassificar a operação. Isso significa que o agente repassador do crédito tem de devolver os recursos e assumir o empréstimo com dinheiro próprio.

Questionado pela coluna, por meio de sua assessoria, se iria auditar a operação para Marchiori, o BNDES não respondeu a pergunta até o fechamento deste texto.