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Aécio quer candidatura em ‘eleições primárias’ semelhantes às dos EUA

Do Blog do Josias de Sousa

O mergulho de José Serra na campanha municipal de 2012 está para Aécio Neves assim como a missão do navegador Bartolomeu Dias estava para o rei João II em 1488. Onde ardia a tormenta, passou a luzir a flama da esperança.

Ao singrar os mares situados ao sul daquela que seria chamada de Cidade do Cabo, na África do Sul, Bartolomeu Dias e seus marujos arrostaram tempestades inauditas. Atravessando-as, o navegador batizou o local de Cabo das Tormentas.

Informado sobre o êxito da missão, o monarca português enxergou o episódio com outros olhos. Celebrou a abertura da ligação entre os oceanos Atlântico e Índico como prenúncio da tão almejada chegada à Índia. E rebatizou a porta de passagem de Cabo daBoa Esperança.Ao dobrar suas tempestades interiores para concentrar-se em São Paulo, Serra não eliminou todos os problemas do PSDB. Porém, a exemplo de João II, a nobiliarquia do tucanato agora chama sua interminável tormenta de esperança.

Momentaneamente livre de Serra, Aécio Neves sente-se à vontade para seguir no encalço de sua Índia particular: a candidatura presidencial. Conserta as avarias no casco, ajusta a bússola, perscruta a folhinha e, antes de escalar a tripulação, esboça a carta náutica.

Aécio aparelha-se para levar a candidatura ao mar no final de 2013. Deseja credenciar-se como navegador oficial do PSDB em eleições primárias semelhantes às que são realizadas nos EUA. Numa conversa informal com o blog, o senador tucano disse que esse tipo de processo “dá mais legitimidade à candidatura.”

Troca-se a escolha de cúpula por uma consulta aos filiados da legenda, precedida de campanha nacional que forçará o candidato a expôr seus planos. Para legalizar a versão brasileira das primárias, o tucanato pôs para andar no Senado um projeto. Assina-o o líder do PSDB, senador Alvaro Dias (PR).

A proposta encontra-se em avançado estágio de tramitação. Deveria ter sido votada na Comissão de Justiça na última quarta (4). Com o apoio de Aécio, optou-se por abrir vista coletiva aos membros do colegiado. A votação foi remarcada para a semana que vem. Se passar, o projeto vai ao plenário do Senado.

Na formulação original, as primárias idealizadas por Alvaro Dias seriam realizadas no ano da eleição. A campanha começaria em abril e a votação ocorreria em junho. Aécio defende uma antecipação dos procedimentos para o ano anterior ao do pleito.

Nessa versão, a campanha presidencial de 2014 começaria um ano antes da eleição. As prévias seriam deflagradas em outubro de 2013. E a formalização das candidaturas ocorreria numa grande votação em dezembro. As primárias seriam opcionais. Os partidos não estariam obrigados a realizá-las.

Alvaro Dias anotara no seu texto que a Justiça Eleitoral “poderia” ser convocada pelos partidos para administrar as disputas. Nomeado relator da proposta, o senador Pedro Taques (PDT-MT) alterou esse artigo, tornando compulsória a participação do Tribunal Superior Eleitoral.

Diferentemente do que ocorre nos EUA, o líder tucano não incluiu na proposta a possibilidade de coleta de fundos. Acha que as legendas devem custear a disputa interna com seus próprios recursos.

Aécio diverge também nesse ponto. Defende que os partidos sejam autorizados a captar verbas junto a empresas. O dinheiro iria para uma conta bancária específica, submetida à fiscalização do TSE. Exatamente como ocorre no período eleitoral.

“Creio que o projeto sofrerá ajustes, mas será aprovado”, diz Alvaro Dias. “As primárias levarão à modernização dos partidos. Muda o foco da briga. Extingue-se aquela insatisfação que ocorre quando o candidato é imposto pela cúpula. Obriga os postulantes a se expor à militância, anima o processo e faz a legenda crescer.”

Aécio declara-se decidido a submeter-se à disputa prévia mesmo na hipótese de ser o único postulante à vaga de presidenciável do PSDB. Os tucanos, como se sabe, não são unânimes nem sozinhos. Assim, embora disponha da preferência da maioria da legenda, é improvável que Aécio sobreviva como candidato único.

“As primárias podem ser feitas mesmo tendo um candidato só. Mas esse não será o caso do PSDB”, vaticina Alvaro Dias. “A própria deflagração das primárias será um convite ao surgimento de outros nomes. Outras lideranças serão estimuladas a concorrer. Pode ter certeza.”

A despeito da previsão de Alvaro Dias, dá-se de barato que a tormenta dessa vez não será um estorvo à esperança tucana. “Creio que o Serra vai ter que assumir nesta campanha de 2012 compromissos muito enfáticos com o eleitorado de São Paulo”, diz o líder tucano, esgrimindo raciocínio compartilhado por Aécio.

A idéia das primárias entusiasma políticos de outras legendas. Por exemplo: Eduardo Suplicy, eterno preterido nas disputas internas do PT, defende que os políticos sejam admitidos como candidatos a partir da simples manifestação do desejo de concorrer às prévias. Sem nenhuma condicionante.

Afora o esforço para converter o desejo das primárias em lei, o tucanato tenta equipar-se noutras frentes. Gasta energias, por exemplo, num projeto para dotar o PSDB de uma estrutura de comunicação. Avalia-se que, nessa área, o PT dá um banho em seus rivais. Sobretudo nas redes sociais.

De resto, para conter os arroubos da banda tucana que defende que a caravela presidencial se lance ao mar já em 2012, Aécio calibra a língua. Leva aos lábios uma dose extra de veneno, elevando o tom das críticas ao governo.

Há nove dias, subiu à tribuna para pronunciar um discurso que foi entendido como divisor de águas. Atacou a imagem de “gestora impecável” que Lula tentou grudar em Dilma na campanha de 2010. Disse que, na Presidência, ela revela-se “incapaz de dar solução aos problemas”.

“Para onde quer que se olhe, o cenário é desolador”, afirmou esse neo-Aécio, remando contra a maré das pesquisas. Na última sondagem, feita pelo Ibope, Dilma amealhou uma taxa de popularidade de notáveis 77%. Algo que, para Aécio, o tempo e os problemas se encarregarão de puxar para baixo.

Como que decidido a provar que a oposição é capaz de se opor, Aécio classificou de “paliativas” as medidas de estímulo à indústria que Dilma acaba de anunciar. Nas palavras dele, falta “coragem” à presidente para fazer o que de fato precisa ser feito.

Menciona a reforma tributária, sempre prometida e jamais realizada. O PSDB, diz Aécio, “não hesitaria” em apoiar no Congresso uma proposta que levasse à diminuição da carga de impostos. Avalia que o Executivo não avança nessa matéria por covardia, por falta de coesão do seu condomínio partidário e por ausência de disposição de racionalizar os gastos de sua máquina.
Para Aécio, o embrulho de Dilma faz concessões com o chapéu alheio. Por exemplo: serve isenções de IPI que terão impacto nas arcas estaduais e municipais. Tudo isso sem que a União orça governadores e prefeitos e ofereça-lhes algum tipo de “contrapartida”.

No mais, Aécio avalia que Dilma serve refresco de forma seletiva, premiando o pedaço do empresariado “com maior poder de lobby”. Acha que a desoneração da folha de pagamento deveria alcançar todos os setores, não apenas os 15 ramos eleitos pelo governo.

Critica também a seletividade do BNDES, em cujos guichês as grandes empresas têm preferência sobre as pequenas e médias na fila dos financiamentos subsidiados pelo Tesouro. Uma “distorção” que Lula iniciou e que Dilma aprofunda.

No cenário idealizado pelo tucanato, Dilma será a antagonista de 2014. Mas o alvo não pode se restringir ao período de governo dela. Pretende-se realçar os 12 anos de presidência petista –os oito de Lula e os quatro de Dilma.

A ideia é vender a tese segundo a qual os avanços trombeteados pelo petismo revelam-se acanhados quando confrontados com o tempo de usufruto do poder. A julgar pelas pesquisas, a platéia dá de ombros para esse tipo de discurso.
Aécio e o PSDB apostam que a conjuntura adversa e a “inapetência” de Dilma para as “verdadeiras reformas” produzirão uma virada da maré. O tempo vai dizer. Por ora, sabe-se que todos dobrarão 2014. Mas, passada a tormenta, a boa esperança sorrirá para uns poucos.