Arquivos

Categorias

A indústria das ações trabalhistas no porto: a CPI no rumo certo

Por Daniel Lúcio Souza, no Correio do Litoral:

A notícia da semana passada veiculada pelo Correio do Litoral sobre a declaração do procurador Ricardo Bruel do Ministério Público do Trabalho de que as “Ações trabalhistas contra Appa são poupança programada” demonstraram que a CPI do Porto de Paranaguá acertou em cheio na sangria financeira que retira milhões de reais dos cofres da APPA (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina), sutilmente e com cobertura “legal”.

Mas como funciona esta engrenagem?

Foi tradição cultural em Paranaguá a entrada pela portas dos fundos do porto de gente apadrinhada e sem concurso público.

Praticamente 99% dos cargos de nível superior não fizeram concurso, entraram pelas mãos benevolentes de padrinhos políticos e depois a Constituição de 1988 mascarou uma pretensa legalidade, que inexiste se forem estudar a fundo.

Além disso, nos final dos anos 80, houve a incorporação de gente que trabalhava até como terceirizados e de outros órgãos estaduais. Assim, a APPA se transformou numa colcha de retalhos funcional.

Isto sem falar no “concurso público” na época, para mecânicos, eletricistas, motoristas, apaniguados políticos, afilhados de funcionários e outros sob o mesmo cargo de “Auxiliar de serviços gerais”.

Cada um desses auxiliares foi colocado em função que nada têm a ver com faxina, limpeza geral, trabalho braçal de baixa qualificação que seria o normal para este cargo. Foram trabalhar nas oficinas e manutenção como eletricistas, mecânicos, ou no financeiro como escriturários, ou como conferentes, motoristas, balanceiros e por aí vai.

Existem funcionários concursados na APPA? Sim, existem. Os guardas portuários, conferentes e os 60 do concurso que coordenei em 2006 realizada pela Universidade de Londrina.

Hoje a APPA tem cerca de 650 funcionários do quadro permanente e todos “celetistas”, ou seja, não são estatutários estáveis como muita gente pensa.

No final de 2002, pagava-se de 90 a 100.000 horas-extras por mês. Ou seja: Cada funcionário em média 150 horas a mais no seu contracheque mensal, turbinados por adicionais noturnos, finais de semanas e feriados (A CLT limita em 60 horas-extras). Uma festa!

Para achar a fórmula mágica da multiplicação faça o seguinte:

Pegue pessoas que trabalham desviadas de suas funções, turbine seus bons salários acima de mercado com o aditivo de horas-extras e adicionais de todos os tipos, deixe esta irregularidade perdurar por cinco anos e… pronto! Aí está uma bela poupança programa, a ser remunerada com juros de poupança mais INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

Hoje, 95% dos funcionários, inclusive o atual superintendente e os dois advogados do quadro, têm ou já tiveram ação trabalhista contra a APPA. Ou seja, ao mesmo tempo o sujeito que “defende” o patrão público é autor de uma ação contra o mesmo. Pode isso?

A indústria começa dentro do porto e sai para os arredores da cidade, sobe a serra e chega à capital em escritórios de advocacia. Internamente, tem guarda que é advogado e dá consultas e arrebanha colegas-clientes durante o expediente. O mesmo com um conferente hoje assessor do superintendente e outros que têm “sócios” com escritórios na cidade. E assim caminha a corrente da felicidade há décadas!

A APPA não tem mais estrutura jurídica. Tudo é improvisado com cargos comissionados. Restaram apenas dois advogados veteranos no quadro, tocam suas vidas já há muito desinteressados no sufoco jurídico do porto.

E o resultado daquele grupo de trabalho das horas-extras de 2003? Depois de intenso “pente-fino”, remanejamento de pessoal desviado e corte profundo nestas irregularidades, fixou-se um teto de 26.000 horas-extras por mês, sendo que cada diretoria deveria previamente apresentar ao superintendente suas reais necessidades. Quando saí em abril de 2010, a média era de 18 a 19.000 horas-mês e sem funcionários em desvio de função. Uma redução de mais de 80%!

Mas você pode imaginar a impopularidade e o clima organizacional que isto ocasiona. Estórias de advogados “perderem” prazos em ações são comum. Uma ação de R$ 140 milhões do Sindicato dos Arrumadores é um desses escândalos. Idem a ação do próprio chefão atual. Sem contar as defesas mal feitas e fracas que depois ficaram impossíveis de serem vencidas. É só a CPI investigar.

Todos os anos, a APPA tem penhora on-line de suas contas bancárias mais de R$ 50 milhões. São heranças de ações dos anos 80, 90 e 2000 que a medida que esgotam os recursos nos tribunais a conta começa a chegar.

Este desvio “legalizado” daria para comparar UMA DRAGA NOVA POR ANO, mas por que razão só agora as autoridades fiscalizadoras tocam nesse vespeiro? Boa pergunta…

Solução:

Começar já a transformar a autarquia APPA em empresa pública (Portos de Santos, Rio, Salvador, e muitos outros já o são) e passar uma fina peneira no quadro funcional atual: envelhecido e obsoleto. Isto já é pacificado por acórdãos dos tribunais superiores como STF e TST. Seria uma Copel portuária!
Com gestão moderna e competente.

Hoje, já dá para acabar imediatamente com o quadro de advogados da APPA e sua procuradoria jurídica. Basta para isso um decreto do governador.

E como seria a gestão das questões jurídicas do porto?

Simples: A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) assumiria, deixando uns dois assessores em Paranaguá apenas para fazer a triagem dos processos.

Teríamos assim, o fim da promiscuidade entre advogados e funcionários locais e ganhar-se-ia uma atuação jurídica independente. O Porto de Rio Grande faz isso… dá pra aprender com eles.

Até semana que vem!

SIGA-ME NO TWITTER: @daniellucio_pro