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“Viver é um milagre, deem um sentido para a existência”, diz Pepe Mujica

"Viver é um milagre, deem um sentido para a existência", diz Pepe Mujica

O senador uruguaio José Mujica dialoga com grandes públicos com a ternura e serenidade de quem cultiva o próprio quintal. Mas o que diz é resultado de reflexões átonas, acumuladas ao longo de sete décadas de militância política e social. Sua análise é particularmente grave quando o assunto é a integração da América Latina, uma “luta por ser ou não ser” para os povos e países do continente, defende Mujica.

Por onde passa, o ex-presidente do Uruguai mobiliza multidões. Não foi diferente nesta terça-feira (15), na aula magna da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu. Para um auditório lotado de estudantes e professores, bem-humorado, Pepe Mujica falou da formação e integração latino-americana, política, consumo, e, ateu convicto, clamou a juventude para construir um mundo mais justo e solidário aqui na terra, sem esperar o paraíso celestial.

Aos alunos e professores da Unila, Mujica defendeu a centralidade da política para a integração da América Latina. “A evolução espontânea da economia não nos levará à integração e sim à desintegração. Precisamos construir experiências de regionalismo, como o Mercosul, mas essas relações precisam ser abertas, resultado de vontade política e não das regras dos mercados e das multinacionais”, enfatizou.

Para José Mujica, os povos latino-americanos precisam desenvolver e apropriar-se de conhecimento e tecnologia para enfrentar um mundo ainda mais competitivo. “O sonho do livre comércio é poético. As fronteiras serão cada vez maiores, onde cada vez menos os povos poderão entrar”, enfatizou. Ele criticou o modelo exportador da América Latina. “Vendemos alimentos para o mundo para ter divisas e poder importar tecnologias”, refletiu o ex-presidente.

Mujica afirmou em sua reflexão que a integração é um fenômeno determinante para os povos. “Unidos ou vencidos”, disse, usando a antinomia formulada pelo ex-presidente argentino, Juan Perón. Para José Mujica, as relações integracionistas no continente serão efetivas quando abrangerem as questões fiscais e tributárias e atacarem a desigualdade social, as injustiças, e as crises de equidade e de segurança presentes em todos os países latinos.
Mais vida, menos trabalho.

Para José Mujica, tempo livre é outro nome para liberdade. “Você é livre quando usa o tempo para a sua própria felicidade, na cultura, para o amor, com os amigos e a família”, refletiu. Para ele, as pessoas não devem passar a vida trabalhando para pagar contas. “Viver é um milagre. Não vivam apenas porque nasceram, deem um sentido para a existência e não queiram nada em demasia, pois na sociedade capitalista o consumo acaba com a liberdade das pessoas”, asseverou.

Ressaltando que não faz apologia à pobreza, o senador combateu duramente a frivolidade do consumo. “Há supermercados e shoppings que oferecem todos os produtos, só não vendem tempo de vida”, disse. “O consumo rouba o tempo de vida porque quando você compra algo, não compra com dinheiro, mas sim com o tempo de vida envolvido na produção daquele produto” apontou, provocando longos aplausos do público.

Para viver melhor, disse Mujica, as sociedades precisam reduzir o tempo de trabalho. “Precisamos trabalhar apenas quatro ou cinco horas por dia. Trabalhar menos para trabalhar todos”, enfatizou. Para o ex-presidente uruguaio, a diminuição da jornada laboral acontecerá no futuro. “A redução do tempo de trabalho vai ser inevitável e deverá acontecer em todos os países. O mundo precisa ser e será mais justo”, definiu.

A agenda de José Mujica em Foz do Iguaçu é promovida pela Itaipu Binacional e a Unila. Durante toda a sua explanação, Mujica não opinou sobre o momento político vivido no Brasil. No encerramento de sua fala, deixou uma mensagem que poderia ser inscrita em cartazes dos manifestantes de todos os matizes ideológicos: “Vão para a rua lutar pela redução da jornada de trabalho, sejam solidários e tenham a cabeça aberta, pois querer um país, no fundo, é querer toda a humanidade”, concluiu.