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Uma viagem poética rumo à cultura guarani

Yuri Al’Hanati
Gazeta do Povo

A poeta e tradutora curitibana Josely Vianna Baptista teve várias motivações para se aventurar pela cultura guarani. “Guardo na memória de infância algumas imagens que provavelmente me levaram a enveredar por aí, como a descoberta de uma comunidade isolada de guaranis numa ilha fluvial ou um velho índio, provavelmente um pajé, que passou uns tempos vendendo ervas que espalhava sobre um pedaço de couro, bem na esquina de minha casa no norte do Paraná. Aquilo representava um mundo de mistérios para mim”, conta. O misto de aventura e enigma resultou, anos depois, no livro Roça Barroca, que chega às livrarias em 14 de dezembro, pela editora Cosac Naify com apoio do Programa Petrobras Cultural.

O livro traz uma configuração pouco usual para o mundo literário: Josely explora sua veia poética ao mesmo tempo em que faz o seu já consagrado trabalho de tradução. Roça Barroca traz três poemas mbyá-guarani, traduzidos pela primeira vez para o português, e poemas originais da autora sobre os povos ameríndios, que promovem um diálogo poético que também resgata história. Os “3 Cantos Sagrados dos Mbyá-Guarani do Guairá”, que compreendem “Os Primitivos Ritos do Colibri”, “A Fonte da Fala” e “A Primeira Terra”, falam sobre a origem do universo, dos homens e dos animais por meio da evocação verbal dos deuses, e são apresentados em edição bilíngue: transliterados para o português e depois traduzidos.

Josely, que é mais conhecida por seu trabalho como tradutora do espanhol – tendo traduzido autores como Allan Pauls e Mario Ballatin –, diz que começou a transposição dos poemas para o português a partir daquela língua. “A partir de uma leitura atenta da tradução para o espanhol feita nos anos 1940 por León Cadogan, e de um estudo da estrutura das palavras em mbyá, primeiro eu fiz uma tradução ultraliteral dos cantos”, recorda.

A pesquisa junto às comunidades indígenas também foi importante. Josely entrou em contato com Teodoro Tupã Alves, ex-cacique e professor na aldeia de Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, e uma importante liderança indígena no Paraná. “Teodoro entoou-me os cantos em mbyá e eu os gravei para melhor perceber suas modulações e tessituras sonoras. Nessa viagem a Ocoy, mostrei a ele a tradução que eu havia feito, registrando seus reparos e sugestões em notas que integram o ‘Breve Elucidário’ que a complementa, mas preferindo quase sempre seguir o texto estabelecido por Cadogan e revisto e anotado por Bartomeu Melià”, lembra a tradutora.

Ainda que tenha buscado essas referências indígenas para compor o material de Roça Barroca, Josely Vianna Baptista considera esse um trabalho totalmente autoral: “Nesse livro me vejo essencialmente como poeta. Procuro uma voz que pulse entre a dicção culta e a popular. Busco o ponto de inflexão em que várias perspectivas e linguagens, aqui assumidas como vozes poéticas dialogantes, sintetizam-se em cruzamentos híbridos”. É dessa forma que a poeta compôs a segunda parte do livro, “Moradas Nômades”, com obras de sua autoria que buscam referências no mesmo universo. “É um pequeno gesto para aproximar nossa poesia da poesia ameríndia, um solo onde essas línguas e linguagens dialogam.”