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Uma guerra invisível: o que está por trás do terminal do porto? Parte II

Por Daniel Lúcio de Souza,  no Correio do Litoral:

Na semana passada falei da questão do ainda inativo terminal de fertilizantes da Appa (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina), que vai gerar um benefício a uma grande empresa local de US$ 10 milhões ano.

Mas se o terminal “público” ainda está inacabado, sem a entrega final pela construtora, sem alfandegamento pela Receita Federal, as empresas que interligarão seus armazéns a ele estariam sendo seriamente prejudicadas. Mas o silêncio é total e vou explicar a “mágica”.

Mas alguém pode perguntar:

“Ué, mas por que então a tal empresa não pára de construir dia e noite as correias transportadoras e os novos armazéns pré-moldados a ‘toque-de-caixa’?”

A resposta é simples: a empresa não vai descarregar no terminal “público” os fertilizantes que operará, mas este no fundo era um mero pretexto para que uma “privatização branca” de um berço do cais público ocorresse.

Ao instalarem-se equipamentos de descarga (funil) fixo em um berço, levasse o produto por correias até o terminal de fertilizantes da Appa, e de lá fosse distribuído para as demais empresas do setor, o que hoje se faz é se deixar propositadamente “inativo” o referido terminal e com isso a empresa “que não pára suas obras” possa, além de ganhar com exclusividade um berço público para seus navios em detrimento de outros, levarem os produtos diretamente aos seus armazéns privados sem custo de frete (os famosos US$ 10 milhões/ano!).

O leitor percebeu a manobra?

Os navios de fertilizantes ficam dias e até semanas aguardando vaga no cais para descarregarem em Paranaguá, ao custo médio de US$ 20 mil por dia parado. Com um berço destinado exclusivamente ao “terminal público inativo”, somente ela se beneficiará.

Imagine uma empresa destas recebendo e operando uns 60 navios por ano e economizando pelo menos US$ 100 mil por ano com “demurrage”, é a estadia média de um navio que aguarda para descarregar em um porto.

Estou sendo bem conservador nas minhas contas. Estou imaginando que em média o navio demoraria 5 dias aguardando, a um custo médio diário de US$ 20 mil, ou seja, US$ 100 mil por navio, que multiplicado por 60 navios/ano reduziria o custo frete para seus clientes em US$ 6 milhões por ano. É uma grana legal, que somada aos mais US$ 10 milhões por ano que economizará em frete dos cooperados da Coopadubo, chega a US$ 16 milhões! É assim que se ganha dinheiro no porto, o resto é bobagem…

Mas voltemos a 2006, quando o gênio de mal consegue emplacar sua ideia de construir um Terminal “público” de fertilizantes para beneficiar claramente uma grande empresa de Paranaguá.

A concorrência da obra sai a muito custo em meados de 2007. Mas para isso, a empreiteira que ganhar a concorrência deverá ser, digamos, “flexível” a fatos que ocorrerão depois.

Resolvido o problema, os demais participantes na concorrência também deverão ser amigáveis. A ganhadora é a construtora Catedral e a segunda foi a RAC Engenharia, de ninguém menos que o futuro diretor técnico da Appa André Cansian. Portanto, como “concorrente” na obra, conhecia muito bem o projeto pra poder fazer uma proposta de preço. Em 2008 o moço, filho de um futuro secretário de Estado do governador Pessuti, assume a diretoria que comanda a engenharia e as obras do Porto, e passa a “fiscalizar” a obra que concorreu e até hoje não foi acabada, mesmo com o contrato com a empreiteira tenha expirado no final de 2009!

Não tolerei as tramoias que a cada dia descobria e em março de 2010 instaurei uma sindicância para apurar tudo! Desde questões de ordem técnica, operacional, legal para passar um “pente fino” nessa história. Os membros da comissão de sindicância eram todos funcionários do quadro da Appa: engenheiros e um advogado. Entre os membros, o engenheiro Airton Maron, hoje na superintendência da administração portuária.

Pedi no início deste ano cópia de todo o processo de sindicância que mandei instaurar, mas até hoje ele me nega esses documentos, que das duas uma: o processo desvendou as irregularidades ou acobertou-as!

Já denunciei tudo isso ao Tribunal de Contas do Paraná em recente manifestação às denúncias de três vereadores de Paranaguá com relação ao terminal.

Enquanto isso, as obras ilegais continuam nas barbas da atual administração da Appa, pois o edital público que lancei no final de 2009, tudo tinha que ser feito em conjunto com as empresas habilitadas e de comum acordo, o que não ocorreu.

Espero que na CPI do Porto (sei que alguns deputados são leitores do Correio do Litoral) possamos, enfim, desnudar tudo isso, e mostrar as verdadeiras negociatas portuárias que tentaram dissimular com falsas denúncias a mim e à minha dedicada e honesta equipe.

Até semana que vem, quando teremos mais algumas novidades!

Daniel Lucio O. de Souza
Economista, MSc em Tecnologia pela UTFPR, consultor de empresas, exerceu a superintendência dos Portos do Paraná (Appa) entre 2008 e 2010.