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Sucupira über alles

Sucupira über alles

Ruy Goiaba, Folha de S. Paulo

‘Débito ou crédito, Marina?’ ‘Sou contra a polarização.’ ‘Açúcar ou adoçante?’ ‘É a sociedade que vai decidir’

Já se passaram mais de 40 anos desde que Dias Gomes escreveu “O Bem-Amado”, e mais de cinco décadas desde que ele concebeu a peça que daria origem à novela, mas não se enganem: Sucupira –agora com celular e redes sociais– continua sendo nosso habitat mental.

Odorico Paraguaçu, desde sempre muito mais arquétipo que personagem, grita na nossa cara, com a alma lavada e enxaguada no amor pelo Brasil, a cada programa eleitoral, cada cavalete na rua (a propósito, o leitor já chutou algum cavalete hoje?), cada debate na TV. Há um pouco dele em todo candidato a cargo majoritário, seja nos clichês do discurso, seja na tintura de cabelo –geralmente em ambos.

Em Sucupira, o intervalo comercial dos debates exibe propagandas de remédios contra verrugas e fungos nas unhas, ou de Dolly Guaraná, e tudo combina à perfeição com as discussões entre os candidatos: vote no Dollynho, seu amiguinho.

Em Sucupira, o candidato que parecia engraçadão, mas tem ideias mais ridículas que o Grecin 2000 do bigode, diz uma cretinice sobre gays e, na hora, os bonecos de ventríloquo dos marqueteiros não dão um pio em reprovação –nem aquela que se proclama “a única defensora dos direitos LGBT”. Depois vão para o Twitter, fazer embaixadinha para as respectivas torcidas.

Em Sucupira, os blogueiros ditos progressistas são versões eternamente sóbrias do Nezinho do Jegue disputando quem melhor puxa o saco federal. Nem em sonho se permitiriam ser a versão bêbada do Nezinho (“morra Odorico! Safado, sem-vergonha! Ladrão de merenda!”).

Em suma, e como sempre, a campanha política no Brasil transcorre naquele climão maneiro de pesadelo do qual a gente não consegue sair, mesmo com todas as portas aparentemente abertas. Mas aí a sensação não é Dias Gomes –está mais pro Buñuel de “O Anjo Exterminador”.

Amiga sugeriu a criação de um “Marina Silva internet generator” para responder aos eleitores. É moderno, interativo, sustentável e dispensa a candidata de repetir bordões 200 mil vezes. Achei sonhático.

Exemplos grátis: “A sra. não tem base no Congresso. Não é um problema?” “Vou governar com os melhores.” (Ufa, achei que fosse dizer “vou escolher só a nata da canalhice”.) “Débito ou crédito, Marina?” “Temos de acabar com essa polarização.” “Chá com açúcar ou adoçante?” “É a sociedade que vai decidir.”

O presidente da Fiesp e dono da CSN dá entrevista a esta Folha. Diz que pode “dilmar”: a presidente fez muitas coisas boas. Mas Aécio também é bom, jovem, preparado. E Marina tem uma história de vida bonita. Só opções lindas. Se Luciana Genro tivesse alguma chance, ele diria “até que essas ideias soviéticas têm um certo charme gauche'”.

Não é o dono da venda com medo do fiscal da esquina. Não é o microempresário macrodependente do que o Tennessee Williams chamava “bondade de estranhos”. É o presidente da Fiesp querendo estar bem com o governo, seja qual for, pra não perder o juro camarada do BNDES.

É por isso que, como diz outro amigo, o único liberal de verdade no Brasil é aquele que aparece em frases do tipo “casal liberal topa tudo”.

Ruy Goiaba, pseudônimo de um jornalista da Folha, é colunista do “F5”