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Para ONU, sistema tributário do País dificulta avanços sociais

Para ONU, sistema tributário do País dificulta avanços sociais

Em relatório, entidade indica que erradicação da pobreza só será atingida com amplas reformas estruturais

Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

A ONU alerta que parte importante dos programas sociais no Brasil destinados à classe mais pobre é financiada exatamente por essa parcela da população por meio de um sistema tributário "desigual". Se o governo conseguiu obter avanços no combate à fome nos últimos anos, a erradicação do problema só será atingida por meio de amplas reformas estruturais de distribuição de renda e de terras no País. O alerta faz parte de um Raio X completo da situação da fome no Brasil feito pela ONU. Em 30 páginas detalhando a situação no Brasil, a entidade insinua que, por enquanto, os programas vêm lidando com os sintomas da pobreza, e não com suas causas.

Segundo o levantamento, o próximo presidente brasileiro terá de criar uma nova estratégia de combate à fome, acelerar a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas, promover uma reforma tributária, ampliar programas de ajuda alimentar, garantir que projetos do PAC tenham impacto social e até usar parte dos lucros do Pré-Sal para eliminar a fome no País. O levantamento foi realizado pelo relator especial das Nações Unidas contra a Fome, Olivier De Schutter e será debatido na plenária da ONU em março.

A ONU admite os avanços "impressionantes" obtidos pelo Brasil desde 2002 em combater a pobreza e a fome. Mas indicou, a partir dos resultados de uma missão em outubro ao País, que os "desafios ainda são grandes".

Entre as propostas apresentadas ao Brasil, a ONU sugere a criação de uma estratégia nacional com metas claras e um calendário. Além disso, pede um "monitoramento adequado" por parte das autoridades e maior capacitação de autoridades locais para implementar os programas.

Usando dados do governo, a ONU destaca avanços em índices sociais no Brasil, mas a situação do País seria ainda pior do que em outros países sul-americanos. Outra constatação é que indígenas e negros são desproporcionalmente afetados. As disparidades regionais também são importantes. 37,5% das residências no País sofrem com insegurança alimentar. Essa taxa seria de 25% no Sul e 55% no Nordeste. A media nacional aponta que a desnutrição infantil atinge 1,9% das crianças, mas chega a 3,5% no Nordeste e mais de 8% em três Estados. 21% dos brasileiros ainda sofrem de anemia.

Para lidar com essa realidade que persiste, a ONU sugere uma reforma do Fome Zero. A entidade admite que a má nutrição infantil foi reduzida em 73% entre 2002 e 2008 e a morte de crianças, em 45%. Mas o problema mais grave é a forma pela qual o programa é financiado."Os programas implementados apenas serão efetivos se os recursos forem suficientes", alerta. A ONU, portanto, sugere que parte do Fundo Social criado a partir dos lucros do Pré-Sal sejam utilizados para combater a fome.

Segundo a ONU, porém, uma reforma tributária terá de ocorrer para garantir um sistema mais justo. O relator indica que enquanto a camada mais pobre da população paga o equivalente de 46% de sua renda em impostos indiretos, a camada mais rica destina apenas 16%. Outra constatação é de que os impostos coletados no campo representam apenas 0,01% do PIB, apesar da concentração de terras. "O relator conclui que, enquanto programas sociais desenvolvidos sob o Fome Zero têm uma abrangência impressionante, eles são fundamentalmente financiados pelas mesmas pessoas que pedem o benefício", afirma o documento. "O sistema tributário regressivo limita seriamente o impacto redistributivo desses programas", alerta.

Além disso, o porcentual do orçamento destinado a lidar com a fome tem se mantido estável, ainda que nominalmente o valor tenha aumentado. Em média, os programas consomem apenas 4% das políticas sociais e 1% do orçamento nacional. Já o pagamento dos juros da dívida, emissões no mercados e outras questões financeiras chegam a 48%.

Reforma Agrária

Outro desafio no Brasil é "desigualdade generalizada de acesso à terra". Para a ONU, o País parece incapaz de lidar com essa questão de forma efetiva. 2,4 milhões de propriedades ocupam 2,5% do território agrícola nacional. Já 47 mil fazendas ocupam 43%.

O relator cita o IBGE para indicar que a concentração é maior hoje do que em 1995 e aponta que a cana para o etanol em São Paulo seria parte desse fenômeno. O Estado teria visto um aumento na concentração de 6,1% em dez anos. "Há uma enorme demanda por terra não atendida no Sudeste", alerta. Segundo a ONU, os critérios de desapropriação estão ultrapassados. "Pede-se ao governo que reveja os obstáculos para acelerar a redistribuição de terras", indica o documento da ONU.

O relatório elogia o fato de que 1,5 milhão de famílias foram retiradas da condição de extrema pobreza no campo e 4 milhões da pobreza. Mas pede maiores recursos para pequenos agricultores.

A ONU insiste que o debate "acalorado" no Brasil entre o modelo agrícola exportador e a agricultura familiar não pode apenas se basear na produtividade de cada terra. Aspectos sociais também precisam ser levados em consideração.

O relator sugere que, ao lutar por mais mercados no exterior, o Brasil não abandone a agricultura familiar. A ideia é que, junto com uma liberalização comercial, esses pequenos proprietários teriam de receber mais, e não menos recursos. Uma das propostas é que esses pequenos produtores possam formar cooperativas, com a ajuda do governo, para também participar do comércio internacional.

O levantamento ainda alerta para novos riscos para a segurança alimentar, entre eles os projetos de infraestrutura que fazem parte do PAC. Esses projetos teriam "impactos desproporcionais sobre as populações mais pobres, agravando a já precária condição de vida". Um dos exemplos citados é a transposição do Rio São Francisco.

Índios

Outro problema é a situação da fome entre indígenas. O documento aponta para a paralisação das demarcações de terras. Para o relator, essa é uma condição fundamental para garantir o acesso dos indígenas a suas terras e, assim, evitar a extrema pobreza. A ONU, em sua avaliação, apela para que o governo acelere a demarcação de terras e ainda garanta que os índios e comunidades quilombolas sejam atendidos por programas sociais.

 

OIT: 1 em cada 4 brasileiros ganha menos de US$ 75 mês
 
Vinte e cinco por cento da população brasileira ainda ganha menos de US$ 75 por mês e o desafio do Governo no período de pós-crise mundial será o de criar condições para uma melhor renda, além de reduzir a informalidade na economia. O alerta foi feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em um documento que servirá de base para a reunião de ministros do Trabalho do G-20, que ocorre nesta segunda-feira (19), em Washington.
A OIT apela para que os governos, mesmo com dívidas colossais, não retirem agora seus planos de resgate, sob o risco de fazer explodir a taxa de desemprego. Segundo a OIT, os pacotes bilionários salvaram 21 milhões de empregos pelo mundo em 2009.

No caso do Brasil, a OIT indica que de fato a crise do desemprego foi atenuada diante do mercado interno e das medidas tomadas pelo Governo, que chegaram a US$ 20 bilhões. Segundo a OIT, o pacote brasileiro foi um dos menores entre todos os governos do G-20.

Mas a OIT alerta que essa geração de postos de trabalho não é suficiente para lidar com a situação social do País. A entidade indica que vários países emergentes conseguiram de fato escapar do pior aspecto da crise, que seria a geração de um grande número de desempregados. Mas apontou para o crescimento do setor informal e de trabalhos degradantes.

No caso do Brasil, o documento apresentado pela OIT indica que o País é o que tem a menor cobertura de seguro desemprego entre as economias do G-20, atendendo menos de 10% da população. Outra constatação é de que, se a desigualdade social caiu entre 2001 e 2007, ela sofreu uma ligeira alta em 2008. Mesmo assim, a taxa da população considerada como pobre caiu de 30% em 2007 para 25,8% em 2008.

Durante a crise, os pacotes adotados pelos governos "parecem ter contribuído para uma recuperação da economia". Mas a retomada da produção industrial, produtividade e de vendas não foram "totalmente traduzidas em empregos".

"Retomar a criação de empregos no setor formal nos níveis anteriores à crise será um desafio importante no curto prazo", alertou a OIT em relação ao Brasil. Para a entidade, o "déficit de trabalhos decentes ainda persiste". "Políticos precisam manter o foco nas populações mais pobres e garantir que ganhos na redução da desigualdade não sejam revertidos com a crise", afirmou.

"Ainda que o mercado doméstico tenha crescido consideravelmente nos últimos cinco anos, o desafio continua ser incorporar um amplo segmento da população – os 25% que vivem com menos de US$ 75 por mês – em um mercado de trabalho mais produtivo e atividades com maior remuneração", afirmou a OIT.

Para 2010, a taxa de crescimento da economia seria de 5,2%, próximo do desempenho antes da crise. Já o número de postos de trabalho criado seriam de 1,6 milhão.

Pacote

No restante do mundo, a conclusão da OIT é de que não está na hora de governos retirarem os pacotes de resgate à economia. O levantamento admite que governos terão de pensar em lidar com suas dívidas. Mas alerta que o crescimento da economia mundial "continua frágil e a demanda do setor privado continua fraca em muitos países".

"Medidas de apoio à geração de trabalho e proteção social precisam ser mantidos até que o crescimento na taxa de emprego ganhe força", afirmou. Na Europa, o desemprego atingiu pela primeira vez 10% da população, desde a criação do euro.

Para a OIT, governos precisam avaliar a conveniência de lutar contra o déficit diante do risco de uma nova alta no desemprego. Na avaliação da entidade, uma recuperação sustentável apenas virá com proteção social.

Em 2009, pacotes criados pelos governos salvaram 8 milhões de empregos e evitarão a demissão de mais 6,7 milhões de pessoas em 2010. Já outros incentivos permitiram a criação de outros 6,2 milhões de postos de trabalho nos países do G-20. O resultado foi que 1% do total dos trabalhadores nesse grupo de economias conseguiu ser poupado da crise.

Ainda assim, os resultados da pesquisa da OIT são alarmantes. No setor industrial, 6 milhões de pessoas foram demitidas pelo mundo em 2009. Na construção, a taxa chegou a quase 3 milhões, contra mais de 2,3 milhões no comércio. Isso tudo apenas nas economias do G-20.

Fonte: O Estado de S.Paulo