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O legado de Demóstenes

Bernardo Mello Framco/Folha de São Paulo

No fim do seu último discurso na tribuna, Demóstenes Torres atribuiu a cassação mais que anunciada ao tempo em que se destacava como o arauto da moralidade no Senado. “Meu erro aqui foi ser intolerante, ser duro”, disse.

“Advirto aos mais jovens: não entrem por esse caminho, é bobagem. Pegar minutos de fama, ir à televisão, aparecer atacando um colega… eu aprendi duramente”, penitenciou-se.Pelo que se viu e ouviu ontem em Brasília, o conselho era desnecessário. Além dos relatores e do líder do partido que pediu sua cassação, só cinco senadores se inscreveram para falar antes da votação secreta.

Ricardo Ferraço disse que não era um dia feliz e “não poderia ser para os nossos corações”. Antonio Carlos Valadares ensinou que “o homem é diferente dos outros animais” porque sabe distinguir o bem e o mal.

Mário Couto, que se apresenta como ex-bicheiro, deu os murros habituais na bancada e bradou que “está faltando moralidade” ao Senado. Ele sabe o que diz e deve estar certo.

A saída de Demóstenes, que nos dias de glória apontou o dedo para os coronéis José Sarney e Renan Calheiros e ontem pedia perdão aos que “levianamente” atacou, deixa o Senado sem alguém para acusar colegas pegos com a boca na botija.

É difícil acreditar que a tarefa seja exercida na voz estridente de Randolfe Rodrigues, o Harry Potter do PSOL, ou no juridiquês empolado de Pedro Taques, que parece não ter pendurado a beca de promotor.

Se as denúncias contra o agora ex-senador incentivam o eleitorado a confiar ainda menos nos políticos, sua queda deve dificultar a aparição de sucessores dispostos a desafiar o clima de compadrio da Casa.

Quando Saturnino Braga decretou a falência da Prefeitura do Rio, Millôr Fernandes escreveu que ele, um político probo, entraria para a história como o homem que desmoralizou a honradez. Demóstenes desmoralizou a moralidade, e não há candidatos a reabilitá-la no Senado.