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Foz do Iguaçu da América

(*) Zé Beto Maciel

Foz do Iguaçu, eu te dei tudo e agora não sou nada.

Foz, nem um puto no bolso, nem ônibus, nem táxi, nem família, nem ombro amigo, mulher amada ou alguém que me esquente nesse frio de 10 junho.

Lembro da quirera de neve que caiu enquanto brincávamos no terreiro de casa num frio de inverno de 75.

Foz, eu não agüento tudo o que vejo, de tudo que já passou e de tudo que ainda pode acontecer.

Foz, eu continuo perdido, quando acabaremos com tanta hipocrisia?

Bem, igual a Ginsberg, podia mandar a todos a pqp, principalmente os inertes, estúpidos e gananciosos.

Eu não estou bem já faz tempo, não vou mais tomar fluoxetina, cansei de ver tantas coleguinhas dopadas, fingindo ser feliz.

Não vou escrever nem mais uma linha enquanto não sentir bem, nem dramas, nem enredos, nem contos.

Foz, quando vão descobrir as três pirâmides no parque nacional que vão explicar tanta baboseira?

Quando que o mato e os rios vão retomar suas entranhas como queria o Luiz Rolon?

Quando vão enterrar os mortos procurados pelo Aluizio Palmar?

Quando você vai merecer sua porção de comunistas entrincheirados, esquecidos, amorfos?

Foz por que suas histórias estão guardadas nas gavetas, nos porões da PF, Exército e Itaipu?

Foz, quando você vai conhecer a poesia de Theodoro Monjelos e respeitar o que Carlão Luz escreve?

Foz, nem bibliotecas, nem livros, meus olhos cheios de lágrimas enquanto escrevo isto e tanta primeira demão que revela tão somente primeira demão.

Foz, por que os cinqüentões postam hoje milhares de fotos no facebook e procuram se encontrar, quando te perderam?

Eu estou farto com aquilo que você se transformou, sempre preocupada com a minha boa aparência.

Foz do Iguaçu, quando você vai honrar seus 10 mil paraguaios?

Quando vai erguer uma estátua para a chipeira Anastácia Cabrera Melgarejov?

Numa noite acordei de sobressalto e vi meu pai observando na janela, com uma única luz acesa, e minha mãe voltava e dizia: levaram o Anibal Soley.

Por que o Budel mandou colocar asfalto na Estrada Velha das Cataratas?

Por que destruíram a Coletoria de Rendas, a Igreja Prebisteriana, a casa do seo Inácio Batista?

O que fizeram como o Cine Star, com o Cine Iguaçu, com o Oeste Paraná Clube não há como entender e explicar.

Todos os domingos de tempo nublado, eu pegava um machado, cortava o tempo para assistir os filmes de Gianni Morandi.

E o susto que minha professora de português, Elci Holler, levou na rajada de balas do Poderoso Chefão quando parte do teto do Cine Iguaçu despencou.

Minha irmã me escreveu cobrando a minha ausência, minha omissão, e me lembro muito bem por quantas esquinas que passei bajefando meu hálito quente na serração.

Meu estupor constata que Silvio Campana se isola cada vez mais enquanto os neocomunistas nem fizeram questão de contar como foi a estadualização da Facisa.

Não consigo encontrar mais a piada, a brincadeira, nos mitômanos e mais espertos que pululam nas suas bocas entre mais uma sacada ou mais um golpinho.

Foz, eu não convivo bem com as minhas próprias loucuras.

Sua geografia é linda, mas tem sempre um idiota tentando iluminar as Cataratas do Iguaçu.

Eu quero a disputa do Monsenhor Guilherme com o Bartolomeu Mitre.

Foz, o hospital em que nasceram meus irmãos, que nasceram meus filhos, virou um depósito de lixo.

Quando vou desengavetar o identidade popular?

Por que a Marinha proibiu o boiacross e a imprensa sumiu com a carta da capitania?

Foz, eu não consigo te entender, eu até entendo, mas não aceito que tudo aquilo que meus olhos já viram vai se perder como se perdeu seu viço, sua história, o cheiro de goiaba e da marcela nos barrancos do rio Paraná.

Foz, quando vão recuperar os rios Boicy, Monjolo, e toda e qualquer restinga de mato que ainda resiste?

Nem vou falar dos famintos, dos pobres, dos miseráveis, daqueles que não encontraram o sonho ou mesmo se perderam como a maioria que se engana em simulados sorrisos cheios de clichês.

Foz, eu nunca gostei de mesa de bar, de conversas de bar e dos delírios dos culturetes que acabam sempre no fim de cada dose.

Foz, eu sou um índio guarani, paraguaio, e já disse, destroçado por aquilo que chamam de vida urbana.

Foz, eu sinto muita falta de meu pai, do ABC, dos jogos no Menezes da Rocha e do futebol de salão na Almirante Tamandaré.

Foz do Iguaçu, porque ninguém contou que Itaipu seria o nosso pior pesadelo?

Foz: às vezes penso que te amo, às vezes é só sexo.

Você me fez querer ser santo.

Escrito em cima de “América”, de Allan Ginsberg.

(*) Zé Beto Maciel é iguaçuense, jornalista em Curitiba (PR). O texto foi publicado na Guatá (www.guata.com.br)