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Fotobiografia traz contradições e mal-entendidos da vida de Cartola

Marco Aurélio Canônico
Folha de S. Paulo

“Minha vida é como um filme de mocinho. Acabei vencendo quase no final.” Assim Cartola (1908-1980) resumia sua atribulada trajetória, na qual o amplo reconhecimento artístico e o relativo sossego financeiro só viriam a partir dos 65 anos (sete antes de sua morte), quando conseguiu gravar o primeiro de seus quatro discos.

O roteiro deste “filme de mocinho”, incluindo imagens de alguns momentos simbólicos, está registrado em “Divino Cartola – Uma Vida em Verde e Rosa”, fotobiografia escrita por Denilson Monteiro, que está sendo lançada pela Casa da Palavra.

O livro, em edição bilíngue (português-francês) graças ao patrocínio de empresa francesa, traz um CD com o último show registrado do mangueirense, no penúltimo dia de 1978, em São Paulo.

Mostra um personagem marcado por contradições e mal-entendidos, desde o nascimento: Agenor foi registrado erroneamente como Angenor -e só descobriria isso aos 56 anos, passando a adotar o registro oficial.

Seu nome artístico também é fruto de um engano: o chapéu-coco que comprou para proteger o cabelo dos respingos de cimento, quando trabalhou como pedreiro, aos 15 anos, foi erroneamente chamado pelos colegas de obra de cartola, e o apelido pegou.

Elegante no trato e no visual, dono de “delicadeza visceral”, como escreveu Carlos Drummond de Andrade em texto reproduzido no livro, Cartola foi mulherengo, bom de copo e de confusões, principalmente na juventude.

“Eu conhecia a figura daquele senhor elegante, de postura reta, que você ficava contemplando, e descobri esse jeito mais malandro dele no início da vida, o que me surpreendeu”, diz o autor.

Não por acaso, quando Angenor perdeu a mãe, aos 17 anos, e saiu de casa brigado com o pai, este deixou um recado para quando o filho voltasse à Mangueira: “Vou-me embora deste morro, mas deixo aqui um Oliveira para fazer a vergonha da família.”

O vaticínio não se confirmaria, mas Cartola penaria um bocado antes de se tornar o orgulho não apenas da família, mas da Mangueira, a escola de samba que ajudou a fundar (e que nomeou).

MANUSCRITOS

Além de fotos de diversos momentos da vida do artista e dos ambientes que ele frequentava –a Mangueira e seus sambistas do início do século passado, suas casas, seus amigos e amores–, o livro reproduz manuscritos.

Neles, é possível notar não apenas a cuidadosa caligrafia, mas modificações feitas em clássicos como “Disfarça e Chora” –cujos últimos versos originalmente diziam “E seu pranto / Oh triste senhora / É molhar no deserto” em vez de “vai molhar o deserto”, como acabou registrado.

Monteiro diz ter aproveitado a pesquisa para “acabar com lendas”, como a de que o clássico “O Mundo É um Moinho” teria sido feito para uma filha que saiu de casa –foi inspirada por um amigo abandonado por seu amor.

CANÇÕES DE ERASMO

Monteiro concentra suas atenções em um livro com as letras de Erasmo Carlos, feito em parceria com o próprio -uma espécie de biografia das canções do Tremendão.

Também está envolvido em dois documentários sobre figuras cuja biografia escreveu: Carlos Imperial (1935-1992) e Ronaldo Bôscoli (1928-1994).

DIVINO CARTOLA – UMA VIDA EM VERDE E ROSA
AUTOR Denilson Monteiro
EDITORA Casa da Palavra
QUANTO R$ 80 (208 págs.)