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A caixa-preta do BNDES

Izabela Corrêa e Alexandre Gonçalves

A medida provisória que autoriza o aumento do crédito ao BNDES voltou para a mesa da presidente Dilma Rousseff com uma adição ferina do Congresso: emenda proíbe o sigilo nas operações de apoio financeiro do banco a qualquer beneficiário, nações estrangeiras incluídas. Difícil saber se a oposição patrocinou a cláusula por genuíno apreço à transparência pública ou só para constranger o Planalto. Mas as motivações pouco importam se a emenda lançar luz sobre as engrenagens do BNDES.

“Quando se é um banco transparente, fica fácil responder (aos questionamentos do cidadão)”, explica o site do BNDES. No entanto, tem sido difícil obter algumas respostas da instituição. Em 2011 um veículo de imprensa recorreu à Justiça para demandar os relatórios de análise elaborados pelo banco para concessão de empréstimos e financiamentos com valores superiores a R$ 100 milhões. O plenário do Supremo Tribunal Federal ainda vai emitir a última palavra sobre esse processo, mas o BNDES não tem medido esforços para evitar ou limitar a divulgação, recorrendo o quanto pode judicialmente.

Em ações publicitárias o BNDES gosta de recordar que é uma agência de promoção do desenvolvimento econômico e social. Quando nega acesso à informação, prefere o chapéu de banco zeloso do sigilo de seus clientes. Ao deferir o recurso de um cidadão contra o BNDES no âmbito da Lei de Acesso à Informação, a Controladoria-Geral da União observou que o banco precisa conciliar os dois papéis. Suas operações não podem ser simplesmente equiparadas às de outras instituições financeiras, pois o BNDES executa políticas públicas com recursos do Tesouro Nacional. Tem, portanto, compromissos singulares com a sociedade.

Uma comparação ajuda a entender as particularidades do BNDES. O cadastro de beneficiários do Bolsa Família, bem como os valores que cada um recebe estão disponíveis na internet. Tais informações expõem a vida financeira dessas pessoas, mas todos concordam que a transparência é uma contrapartida razoável para o benefício, visto que os recursos empregados são públicos. De modo análogo, quem cobiça os juros camaradas e os prazos generosos de um banco de fomento deve estar disposto a passar pelo escrutínio do povo, que patrocina a festa. Sem dúvida, há estratégias para conciliar transparência e competitividade. Pode-se, por exemplo, estabelecer um embargo temporário para a abertura das informações. Para quem tais cuidados são insuficientes, os préstimos dos bancos privados estão à disposição.

Ninguém nega a centralidade do BNDES para a promoção do desenvolvimento econômico do País. Em 2010 emprestava três vezes mais que o Banco Mundial. Só no ano passado desembolsou R$ 188 bilhões. É praticamente impossível encontrar um grande grupo empresarial que não tenha recebido dinheiro da instituição. Graças ao apoio do banco – na casa dos bilhões de reais –, a JBS tornou-se a maior multinacional de processamento de carne bovina do mundo. A companhia coleciona outro título: foi a campeã de doações na última eleição, distribuiu R$ 390 milhões a diversos partidos. A priori, tudo nos conformes. Mas qualquer brasileiro tem o direito de questionar se os empréstimos do BNDES, além de fazerem a alegria de acionistas, também guardam relação com o fim social da instituição.

Por isso preocupa a candura do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), ao afirmar que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, “está disposto a fazer uma reunião fechada (com congressistas) e ajustar quais são as informações que o BNDES pode socializar e que tipo de informação é segredo comercial”. O sigilo de qualquer informação requer transparência sobre o processo decisório que tornou a informação sigilosa. Se o senador quer, nas suas próprias palavras, “acabar com esse discurso de que o BNDES é uma caixa-preta”, deveria opor-se a um acordo de cavalheiros firmado a portas fechadas.

O braço de ferro pela transparência do BNDES já tem história. Em 2012 o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação solicitando que o banco tornasse públicas todas as suas operações nos últimos dez anos, bem como os critérios utilizados para decidir quem receberia dinheiro, além das fontes de financiamento, dos juros cobrados, das garantias exigidas e dos riscos estimados para cada um dos empréstimos. Em agosto a Justiça Federal no Distrito Federal considerou legítima a demanda do MPF, mas o BNDES recorreu da decisão.

Em janeiro a presidente Dilma Rousseff vetou emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias que obrigava o BNDES a publicar bimestralmente um demonstrativo com todos os financiamentos a partir de R$ 500 mil concedidos a Estados, municípios e governos estrangeiros. Há quem sugira que tais emendas vão longe demais e deixam pouca margem para restrições de acesso necessárias à segurança do Estado. O argumento merece atenção. Mesmo assim, a presidente tem ao menos dois bons motivos para, desta vez, sancionar a cláusula.

Em primeiro lugar, é razoável supor que, caso a emenda seja sancionada, a futura diligência do BNDES para salvaguardar o imprescindível sigilo será proporcional ao atual desânimo do banco em promover a devida transparência. O embate da nova lei com a relutância do banco garantirá um equilíbrio mais republicano entre transparência e sigilo – um equilíbrio em que a transparência terá a precedência. A segunda razão, mais pragmática, leva em conta o ambiente político no País. A presidente não pode perder a chance de mostrar que no BNDES – um dos pilares da sua política industrial – a transparência será a regra e o sigilo, a exceção. Especialmente quando o outro pilar é a combalida Petrobrás.

Izabela Corrêa e Alexandre Gonçalves respectivamente, doutoranda em ciência política pela London School of Economics, especialista em transparência pública; e doutorando em comunicação pela Universidade de Colúmbia e pesquisador no MIT Center for Civic Media