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E o Instagram acabou com as curtidas

 

Sandro Rodrigues

O Instagram deixou de mostrar publicamente o número de curtidas em uma postagem. A medida, já testada em maio deste ano no Canadá, entrou em funcionamento no Brasil no último dia 17. É um adeus às publicações repletas de likes e às disputas pelo “troféu simbólico de post mais curtido entre os coleguinhas de Instagram”.

O número de curtidas, até então, sempre foi uma das principais informações públicas para medir a popularidade do post e do perfil de seu autor. A busca incessante pelo maior número de curtidas em uma postagem era uma prática da grande maioria dos usuários dessa rede social, e por vezes privilegiava-se o like em detrimento da qualidade.

O leitor deve ter visto que, publicamente, a principal justificativa oficial para esta mudança foi proporcionar uma relação mais saudável entre usuário e ferramenta, sem a preocupação obsessiva por likes. Faz sentido, visto que na Inglaterra, em 2017, um estudo apontou o Instagram como a rede social mais prejudicial para a saúde mental do ser humano.

Presentes em nossas vidas desde o início dos anos 2000, as redes sociais trouxeram um avanço incomensurável nas relações humanas e uma contribuição tecnológica histórica para a comunicação, mas a evolução dos meios e suas plataformas também trouxe mudanças no comportamento humano. O protagonismo midiático, agora ao alcance de todos, deu origem ao exibicionismo demasiado e por vezes desmedido. Estamos todos lá buscando um destaque na multidão, custe o que custar. As curtidas passaram a ser credenciais rumo ao estrelato, mas nem todos estavam (e estão) preparados para lidar com as rejeições e insucessos. Essa competição por atenção aumentou em proporções inimagináveis, e a curtida é apenas mais um ingrediente dessa receita nem sempre digestiva.

Assim, de fato a justificativa para o fim da exibição das curtidas é coerente, e acredito que teve relevância para essa mudança. Mas o Instagram é uma empresa com fins lucrativos, e dizer que a única motivação foi a preocupação com o bem-estar do ser humano não me convence. “Não existe almoço grátis”, e o histórico das mudanças nas ferramentas das principais redes sociais nos últimos anos demonstra que a preocupação principal sempre é voltada para a perpetuação da plataforma e aumento em suas receitas. Sempre há um desejo da plataforma em querer manter-se no poder máximo da relação entre usuário e ferramenta. Um desejo legítimo, pois, se há investimento, é preciso haver retorno, e todos os termos de uso das redes sociais em geral deixam claro que a autonomia para toda e qualquer decisão sempre estará do outro lado da força. Infelizmente, não temos o hábito de ler aqueles textos longos e (intencionalmente) prolixos dos termos de uso, e clicamos em “aceitar” quase que por impulso.

Se a mudança não der resultado satisfatório para o Instagram, haverá uma outra justificativa “humanitária” para a volta dos likes. Mas é pouco provável que não dê certo, e a pergunta que fica no ar é: Mark Zuckerberg, dono também do Facebook, fará o mesmo com as curtidas em sua outra mídia social? Afinal de contas, se a mudança é uma tentativa de melhorar a saúde mental humana, a rede social mais popular do mundo também é figura fundamental para essa quebra de paradigma e “benfeitoria social”.

Ocultar o número de curtidas é também uma forma de tentar reduzir a independência na relação publicitária entre o produtor de conteúdo e o anunciante. É importante lembrar que existe um mercado paralelo, amplamente gerador de receitas, do qual a plataforma não participa diretamente, em que o anunciante procura diretamente um influenciador e negocia a divulgação do seu produto em posts do usuário. Isso não vai deixar de existir de forma alguma, e tampouco pode ser considerada uma prática ilegal, mas, quanto mais os anunciantes dependerem de informações oficiais da plataforma, maior será o controle que plataforma tem sobre tudo que está sendo comercializado dentro dela. Portanto, é importante também sempre ficarmos atentos a estas mudanças repletas de “boa vontade” por parte das redes sociais.

No geral, a mudança é muito positiva; vai fazer com que tenhamos uma profissionalização maior na produção de conteúdo e uma preocupação focada na qualidade do mesmo. Espero que parte dessa obsessão por curtidas não migre para a quantidade de comentários em um post, por exemplo; e torço de fato para que nós, usuários, possamos ter uma vida digital um pouco menos pressionada por alcance e que tenhamos mais foco em qualidade e relevância.

A ausência de visualizações públicas já acontece nos Stories e tudo vai muito bem por lá, obrigado. Os dados de curtidas estarão disponíveis internamente para o produtor de conteúdo e ele poderá potencializar essa informação em seu mídia kit, por exemplo.

Espero também que possamos, em breve, elogiar esse avanço e, posteriormente, venham outras melhorias tão esperadas por quem produz conteúdo na rede social mais querida do mundo, como uma relação de monetização direta entre criador de conteúdo e o Instagram, como é feito desde os primórdios digitais pelo Google e seu “filho” YouTube. O IGTV está ali, de pires na mão, preso no mundo invertido, esperando por essa libertação.

Sandro Rodrigues é head of Digital Communications no Centro Europeu.

Política, economia, cultura e bom humor no blog do Paraná.