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A educação como política de Estado

Grupo político não pode impor sua visão particular

Maria Paula Dallari Bucci

A disputa partidária pelo Ministério da Educação lamentavelmente derrotou a visão da educação como política de Estado. Ficou vencida a ideia inicial do presidente eleito, correta, de nomear um ministro com perfil técnico, como era o caso de Mozart Neves Ramos, que chegou a ser anunciado no dia 22.

Um técnico é alguém familiarizado com o universo educacional e principalmente com os desafios de gestão próprios do campo. Como o Brasil é uma Federação, a política de educação depende de uma articulação nacional, em que a execução está a cargo dos estados e dos municípios, onde estão os professores, as redes e a maioria dos estudantes da educação básica.

Há muito tempo o Brasil se pergunta por que nossos caminhos educacionais são distintos de outros países que, saindo de níveis baixos como os nossos, conseguiram ultrapassá-los, como é o caso da Coreia do Sul ou da Irlanda. O que alguns não perceberam é que o Brasil já deu os primeiros passos para isso. E não foram pequenos, nem estiveram na conta de um ou outro governo apenas. Interromper essa trajetória é recuar algumas décadas.

O entendimento da educação como pauta suprapartidária começa na Constituinte, que tratou das questões estruturantes e estabeleceu, no artigo 205, que a educação visa o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

As Emendas Constitucionais 14, de 1996; 53, de 2006; e 59, de 2009, aprovadas em diferentes gestões, organizaram com mais clareza as competências federativas. Esse esforço foi complementado pelos Planos Nacionais de Educação, cada um precedido de quatro anos de debates parlamentares e audiências públicas.

O primeiro, de 2001, e o segundo, a Lei 13.005, de 2014, ainda em vigor, estipulam metas e estratégias que orientam os educadores sobre os resultados a perseguir e a coordenação dos meios para tanto.

Essa legislação previu, entre outras coisas, a obrigatoriedade da avaliação, cuja face mais conhecida é o Ideb (Índice de Avaliação da Educação Básica). Foi um grande avanço para o Brasil estabelecer uma referência de fácil compreensão para medir a evolução real das redes educacionais. Mas foi necessário um trabalho prévio, de pactuação de um calendário e a realização de provas nacionais, com a adesão dos entes federativos.

Sem a ampla participação e sem o rigor técnico das medições não se teria a credibilidade necessária para legitimar a cobrança que a sociedade passou a fazer sobre seus governantes em matéria de educação.

Esse é apenas um exemplo das medidas em que o Brasil concretamente avançou no campo educacional, apoiado num trabalho a muitas mãos, das forças políticas em conjunto, nos últimos 30 anos. Efeito positivo desse trabalho é a melhoria consistente do Ideb dos anos iniciais da educação fundamental, que indica um bom caminho definido e que ajustes pontuais não devem abalar a estruturação essencialmente técnica e pautada em práticas consagradas internacionalmente.

Isso está em risco quando um grupo político, apoiado no resultado eleitoral, pretende impor sua visão particular às práticas educacionais no país, em nome da Escola sem Partido, escancarada e perigosa partidarização da educação.

Além de contrariar a Constituição, isso joga por terra um investimento de longo prazo já feito e um trabalho que está em curso para qualificar a cidadania e o capital humano, sem o qual o Brasil carecerá do insumo mais importante para o seu desenvolvimento.

Maria Paula Dallari Bucci, professora da Faculdade de Direito da USP; ex-secretária de Educação Superior do Ministério da Educação (2008-2010, governo Lula) e ex-consultora jurídica do ministério (2005-2008, governo Lula)

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/11/a-educacao-como-politica-de-estado.shtml