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Atraso crônico

Atraso crônico

Enquanto o mundo se aprimora com os benefícios da digitalização na saúde, que proporciona eficiência e ganhos de produtividade, no Brasil quase nada avançou nessa frente

Claudio Lottenberg

No atual cenário eleitoral instável e repleto de dúvidas, uma coisa é certa: a saúde continua sendo causa de preocupação e insatisfação para a maioria dos brasileiros.

Enquanto o mundo se aprimora com os benefícios da digitalização, que proporciona eficiência, ganhos de produtividade e economia, no Brasil quase nada avançou nessa frente, e a saúde padece, afetada por um atraso crônico.

A era digital transforma substancialmente a área da saúde. Cria condições para a uniformização e o compartilhamento de informações com impactos relevantes na assistência médica, atenção básica, prevenção e tratamento de doenças, contribuindo para aumentar o acesso da população à saúde, obter melhora dos desfechos, enfrentar adequadamente o avanço das doenças derivadas da maior expectativa de vida e evoluir para um novo modelo de gestão financeira do sistema com incremento de eficiência.

Além disso, num país com as dimensões do Brasil, a telemedicina apresentaria benefícios importantes para o atendimento em locais mais afastados, onde a presença de especialistas é insuficiente.

Do mesmo modo que clínicas e hospitais, as próprias residências dos pacientes podem ser integradas ao processo por meio de aplicativos, relógios ou pulseiras que auxiliam em monitoramentos, controles de indicadores e emissão de alertas para procedimentos de assistência médica que sejam necessários.

Sempre haverá pessimistas afirmando que nem todo o território é coberto pela internet, mas de alguma forma temos que começar.

A raiz desse processo está justamente no prontuário médico, que vigora dentro do contexto da assistência desde que esta passou a existir. A diferença é que agora ele pode ser eletrônico, abrindo as portas para um cenário de inteligência artificial e “analitics”.

Os ganhos com essa informação gerada —e dentro de um cenário de obrigatoriedade— traria uma mudança estruturante real, com foco e, acreditem, economia baseada em evidência.

Com a digitalização e com o potencial de utilização da telemedicina, estaríamos fazendo mais e melhor, contribuindo para reverter a insatisfação da população brasileira com a saúde e verificando que os recursos, embora parcos, poderiam ser mais bem utilizados, possivelmente eliminando 33% do custo que é gasto em desperdício por práticas obsoletas, retrabalho, redundância, burocracia e fraudes.

No entanto, ao contrário de outros países que avançam, estamos, lamentavelmente, deixando de lado a internet das coisas, a comunicabilidade e a medicina baseada em valor que necessita de muito e, ao mesmo tempo, de tão pouco.

Deixamos de avançar, aumentando nossa defasagem tecnológica e sofrendo as consequências de um processo que é degenerativo.

Mas quem sabe o erro seja o (des)entendimento de todos os envolvidos; do governo, que deveria ter um plano estruturante e não apenas compensatório; dos profissionais da saúde, que têm que assumir um protagonismo claro e um papel de liderança, sem corporativismos; e da sociedade, que deveria se interessar em gerenciar sua saúde pautada por valor e por evidência, em vez de se limitar a erguer a bandeira dos direitos.

Além disso, a própria estrutura de Estado tem a responsabilidade de criar os elementos facilitadores para atrair ainda mais a iniciativa privada disposta a enfrentar o desafio de desenvolver e construir um novo sistema de saúde para o Brasil.

A saúde responde atualmente por 5 milhões de postos no mercado de trabalho, representa quase 10% do PIB brasileiro, gera novas habilidades para capital humano e, portanto, constitui um dos principais setores de oportunidade de crescimento para o país.

Mas, a persistir o cenário atual, sem ações concretas para superar o atraso crônico, os gastos com o sistema deverão chegar a níveis insustentáveis para todos.

Claudio Lottenberg, é presidente do UnitedHealth Group Brasil, do Instituto Coalização Saúde e do conselho deliberativo do Hospital Israelita Albert Einstein; foi secretário municipal de Saúde de SP (2005, gestão Serra)