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Uma chance para o Supremo

O Supremo Tribunal Federal ganhou oportunidade de ouro para desfazer o grave erro cometido ao suspender das funções parlamentares o senador Aécio Neves

Editorial, Estadão

O Supremo Tribunal Federal ganhou uma oportunidade de ouro para desfazer o grave erro que três dos cinco ministros da Primeira Turma daquela Corte cometeram, na terça-feira passada, ao suspender das funções parlamentares o senador Aécio Neves (PSDB-MG), impondo-lhe também restrições de liberdade e de direitos políticos.

O Senado aprovou requerimento para deliberar com urgência sobre essa estapafúrdia decisão, mas a votação foi postergada para a próxima terça-feira. Assim, nesse intervalo, os senadores esperam que o Supremo encontre uma maneira de anular a ordem que, ao castigar um senador da República sem que este nem réu seja e sem a autorização do Senado, conforme determina a Constituição, criou desnecessariamente uma situação de confronto entre Poderes e ampliou a sensação de insegurança jurídica que tanto mal causa ao País.

A decisão da Primeira Turma do Supremo foi tomada a partir de denúncia da Procuradoria-Geral da República, que acusa Aécio Neves de corrupção e obstrução de Justiça. O pedido de prisão, segundo os procuradores, se justifica pelo suposto risco à ordem pública e ao andamento do processo caso o senador continue solto. Por unanimidade, a Primeira Turma negou o pedido, sob a alegação, correta, de que somente o Senado pode autorizar a prisão preventiva de um senador, e ainda assim apenas em caso de flagrante de crime inafiançável. Nenhuma dessas condições estava dada. Porém, a criatividade jurídica de alguns ministros prevaleceu na segunda votação, quando a Turma, por 3 votos a 2, sancionou Aécio com a suspensão de suas funções parlamentares, o recolhimento domiciliar noturno e a proibição de contato com outros investigados, além de não poder deixar o País.

Diante da estupefação dos senadores com tão flagrante violação das prerrogativas do Legislativo pelo Judiciário, os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, que votaram pelas sanções contra Aécio, tentaram se justificar. Segundo eles, o artigo 53 da Constituição, que menciona a punição a parlamentares, diz que cabe exclusivamente ao Congresso deliberar sobre eventual ordem de prisão contra seus integrantes, mas nada fala sobre outras medidas cautelares, como essas que foram tomadas contra Aécio. Logo, conforme Luiz Fux, “não há dúvida jurídica aqui, o direito é claríssimo”.

De fato, o direito é claríssimo: a única instância que pode autorizar medidas extremas contra um senador, como a prisão ou a suspensão das funções legislativas, é o Senado. Como a Constituição tudo faz para manter a integridade da vontade popular expressa pelo voto, somente quem tem voto popular pode decidir sobre o mandato de parlamentares eleitos – e ministros do Supremo não têm voto.

Além disso, pouco importa se o recolhimento domiciliar noturno pode ou não configurar prisão – discussão bizantina que só interessa a quem precisa justificar o injustificável. A questão central, além do fato de que o Congresso foi atropelado pelo Supremo, é que Aécio Neves nem processado está, e no entanto foi tratado como criminoso condenado por ministros daquele tribunal.

Esse comportamento pode fazer enorme sucesso entre os jacobinos da luta contra a corrupção, aqueles para os quais a simples condição de político transforma qualquer um em delinquente, mas em nada contribui para o efetivo saneamento da política. Como comentou o ministro Marco Aurélio Mello em junho, a propósito dessa sanha justiceira, “a sociedade chegou ao limite da indignação e às vezes ela quer vísceras, ela quer sangue, e, como juízes, não podemos proporcionar o que ela pretende”.

Magistrados que se acreditam ativistas de causas populares e progressistas devem abandonar a toga e ingressar na política, que é o lugar onde se defendem pontos de vista. Do Judiciário, espera-se equilíbrio, isenção e estrito cumprimento da lei, ainda que possa desagradar aos que, em nome de uma suposta moralidade, confundem justiça com vingança. Somente assim a sociedade saberá que os direitos de todos e de cada um estão realmente assegurados.

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