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Razão e sensibilidade

Razão e sensibilidade
A administração municipal, por meio de seu secretário de Governo, tentou criar uma nuvem de factoides e impropérios para fugir do mérito dos decretos que assinei durante minha interinidade

Mirian Gonçalves

Foram-se mais de 20 dias desde os decretos que assinei durante minha interinidade, e mais de 15 dias da volta do prefeito Gustavo Fruet e da análise solicitada à Procuradoria-Geral do Município. Os decretos estão perfeitamente justificados, embora tenha ocorrido uma proposital desqualificação. São três: a retirada das anotações das fichas dos funcionários que participaram das greves (não se trata de abono), o que significaria dupla punição; um busto, com o prazo de até três anos para ser elaborado, em homenagem ao jurista Edésio Franco Passos, reconhecido nacional e internacionalmente pelo saber jurídico e luta contra a ditadura militar, ressalvando-se que as despesas poderiam ser arcadas pela sociedade civil; e outro que pode parecer mais polêmico, mas não é.

Começo por desmistificar o instituto jurídico da “declaração de utilidade pública”, que muito difere de “desapropriação”. Esta última pode envolver recursos do município e, neste caso, tem de estar prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA). Não é o caso. Há pelo menos quatro anos, 1,3 mil famílias esperam por uma solução para as ocupações. Não são especuladores imobiliários, mas pessoas de baixa renda em situação de grande vulnerabilidade. O decreto não envolve qualquer centavo. Sua serventia está em apaziguar um conflito de terras, dando tempo ao próximo governo para decidir se fará a desapropriação ou encontrará outra forma de garantir o direito básico e constitucional à moradia.

Já vão longe os anos 70, quando ocupação se dizia “invasão” e os moradores eram tidos como “desocupados”. O tema conta com a sensibilidade daqueles que vivem na nossa cidade. Uns, porque sofrem ao ver homens, mulheres e crianças desterrados. Outros, porque incomoda o vagar de mais de 5 mil pessoas pela cidade. Só quem já colocou o pé no barro para visitar o local é que tem certeza de que não lhes resta qualquer alternativa. No decreto, também está contemplada a fila da Cohab, porque o que está previsto é o direito de preferência e não o de exclusividade.

Triste mesmo é ver que a administração, por meio de seu secretário de Governo, tentou criar uma nuvem de factoides e impropérios para fugir do mérito. Na interinidade, editei os três decretos sem, com isso, ferir qualquer princípio de direito ou atentar contra o mandato do atual alcaide. Mesmo aqueles que não julgam necessária a existência de um vice (no caso, uma vice) sabem que, na ausência do chefe do Executivo, é o vice que responde por todos os atos, com plenos poderes, incluindo consultar ou não a Procuradoria, que nesses casos serve apenas para dar segurança a quem decide.

Os atos não podem ser censurados. Não pode haver objeção prévia à publicação, até porque está resguardada em lei a possibilidade de revogação, bem como a insurgência de quem se sentir atingido ou prejudicado, ou em caso de atentado à legalidade. Portanto, resta dizer que os fatos ocorridos (no mínimo, estranhos) e a impertinência do comissionado secretário que se negou a publicá-los são estapafúrdios e inéditos no mundo jurídico, mas são espelho da sua atuação nesses quatro anos.

Agora, o que se espera do prefeito eleito é a razão e a sensibilidade que faltaram por parte de outros.

Mirian Gonçalves é vice-prefeita de Curitiba pelo PT.

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