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A vez de Renan Calheiros

A vez de Renan Calheiros

Editorial, Gazeta do Povo

Diz a Constituição que, em caso de vacância da Presidência, o cargo será ocupado de acordo com a regra sucessória que a própria Carta estabelece. O primeiro da lista é o vice-presidente; se este não puder, o segundo será o presidente da Câmara; por fim, o presidente do Senado. Em caso extremo, se os três forem impedidos, caberá ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) a tarefa de gerir transitoriamente o país até a convocação de novas eleições.

Definida a ordem sucessória, vamos concretizá-la com os nomes que atualmente a representam: se Dilma sofrer impeachment por ter cometido crime de responsabilidade (as tais “pedaladas fiscais”), entra o vice Michel Temer (PMDB-SP) – mas, se o TSE concluir que houve caixa dois na campanha de 2014, o peemedebista também acabaria cassado. A vez, então, é do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujas estripulias com contas na Suíça e acusações de recebimento de propinas da Petrobras colocam em risco sua permanência na presidência da Câmara e no mandato. Por fim, se tudo der errado com os três, o Brasil passa a ser governado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

É nesta circunstância que podemos chegar ao caso extremo de o presidente do STF virar provisoriamente presidente do Brasil, por uma razão simples: Calheiros parece estar tão metido em irregularidades quanto os demais companheiros da mais alta hierarquia política do país, o que o afastaria legalmente do Palácio do Planalto.

Calheiros é detentor de um longo prontuário. Já teve de renunciar ao comando do Senado quando, em 2007, se descobriu que uma empreiteira amiga é que pagava as pensões que devia à namorada e à filha que tivera em relacionamento extraconjugal. Voltou anos depois “nos braços do povo”: foi reeleito senador por Alagoas, e, político habilidoso, retornou à presidência da Casa. Fez-se aliado da presidente Dilma Rousseff e tem garantido, ali, no seu reduto, as maiorias de que o Planalto precisa.

Agora, porém, surgem mais evidências de que Calheiros poderá também ser tragado pela mesma lama que afoga seus parceiros. O célebre delator Nestor Cerveró, ex-diretor internacional da Petrobras, refere-se ao senador como alguém que nem usava “laranjas” e intermediários para exigir sua parte no butim das negociatas: em duas ocasiões teria agido pessoal e diretamente para cobrar as propinas a que teria “direito”. Em um dos termos de sua delação premiada, divulgado pela Folha de S.Paulo em dezembro, Cerveró diz que pagou a Calheiros e ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA) US$ 6 milhões referentes a cabulosas operações na BR Distribuidora, uma das subsidiárias da Petrobras.

Vêm à tona também outras negociatas de que o senador Renan Calheiros teria participado (há seis inquéritos em trâmite no STF), a ponto de o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo, ter determinado, no mês passado, a quebra de seus sigilos bancário e fiscal em razão de supostas fraudes na contratação do consórcio Estaleiro Rio Tietê pela Transpetro em 2010. Zavascki só contrariou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para uma ação de busca e apreensão na residência de Calheiros.

Estranhável que, apesar de todo o longo histórico de evidências que pesam contra Calheiros, seu nome tenha sido até agora relativamente preservado. Ao contrário do que ocorre na Câmara Federal, onde Cunha é permanentemente fustigado pelos colegas, que pedem seu afastamento da presidência da Casa, não se nota movimento semelhante no Senado – embora em pouco se diferenciem os comportamentos dos dois personagens.

O destino mais imediato dos dois está na mão de seus pares. Dos senadores se espera que, no retorno do recesso, abram processo contra Calheiros no Conselho de Ética e que o façam tramitar rapidamente. Dos deputados, que acelerem o trâmite do processo já existente contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Oxalá os parlamentares de ambas as Casas entendam a necessidade de defesa das instituições em detrimento dos interesses corporativistas e nos brindem com um mínimo de respeito à moralidade pública, quando da volta dos trabalhos do Legislativo.