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BNDES, o banco camarada

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Editorial, Estadão

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) publicou anúncio nos jornais em que diz ser “um livro aberto para os brasileiros”, acentua seu “compromisso com a transparência” e oferece ao público a possibilidade de conhecer “detalhes sobre nossos financiamentos, inclusive operações internacionais”.

Trata­-se de uma reação às suspeitas de que o BNDES usava o sigilo bancário para não ter de explicar aos contribuintes os obscuros critérios que adota ao conceder financiamentos. No entanto, as primeiras luzes lançadas sobre seus negócios, em lugar de acabar com as dúvidas, aumentaram a sensação de que o banco tornou secundárias as ponderações técnicas ao fazer suas escolhas, deixando prevalecer critérios ideológicos e políticos.

Na terça­-feira passada, o BNDES tornou disponíveis em seu site informações sobre os financiamentos concedidos nos últimos oito anos para obras no exterior. Os dados indicam que o total chegou a US$ 11,9 bilhões, nas operações de “exportações de serviços”, que beneficiam empresas vencedoras de licitações no exterior. As operações são garantidas pelo Tesouro.

Os juros, na maior parte dos casos, variam de 4% a 6% ao ano. Mas há contratos em que a taxa chegou a 2,8% ao ano, como o negócio com a empreiteira Andrade Gutierrez para fazer uma obra em Gana e o da OAS para realizar um projeto em Honduras. No Brasil, as empresas envolvidas no Programa de Investimento em Logística, que prevê os menores juros cobrados pelo BNDES, pagam 7% ao ano. Os casos são notáveis, como o financiamento do BNDES para a Odebrecht tocar a obra do Porto de Mariel, em Cuba. Segundo o que agora informa o banco, a ditadura cubana paga juros entre 4,4% e 7% pelos US$ 642,97 milhões financiados entre 2009 e 2013, com prazo de até 25 anos.

É função do BNDES fomentar a participação de empresas brasileiras no exterior, inclusive em Cuba, mas chama a atenção o fato de as condições oferecidas à Odebrecht e aos cubanos poderem ser chamadas, sem exagero, de presente de pai para filho. “Cuba tem um dos piores riscos de crédito do mundo e recebeu condições extremamente vantajosas”, disse ao Estado o economista Sérgio Lazzarini.

Segundo ele, os juros desse financiamento deveriam estar entre 11,5% e 12,5%, em razão da fragilidade da economia cubana. “Mas é um valor hipotético, porque Cuba nem consegue fazer uma emissão (de títulos) para que se possa saber de verdade”, afirmou o economista. Sendo assim, a “transparência” do BNDES permitiu que se constatasse aquilo que já se sabia: a decisão de financiar o Porto de Mariel e outras obras em países que o governo petista considera amigos não é técnica, pois não há retorno que compense tamanha generosidade e tamanho risco.

Ademais, confirma­-se que há empresas no Brasil ­ empreiteiras, em particular ­ que sempre estarão na vanguarda quando se trata de obter privilégios dos bancos públicos. Dos negócios divulgados pelo BNDES, contratados entre 2007 e 2015, nada menos que 99% envolvem empreiteiras, e 70% desse volume ficou nas mãos de uma só, a Odebrecht. É difícil de imaginar um critério que não seja político para explicar esses números.

Isso explica a resistência do BNDES em revelar detalhes desses contratos, embora o dinheiro utilizado nas transações seja público. Mas nos últimos meses a pressão para que a caixa­preta fosse aberta tornou­se irresistível. No fim de maio, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o BNDES não pode se escorar no sigilo bancário para impedir que o Tribunal de Contas da União tenha acesso a informações sobre suas operações de crédito. Além disso, a oposição no Congresso está prestes a convocar uma CPI para investigar os negócios do banco, incluindo o financiamento público das chamadas “campeãs nacionais”, empresas que teriam plenas condições de obter empréstimos no mercado, mas que foram bafejadas pelas graças do governo petista.