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Intervenção política e Pnad Contínua

por Gilmar Mendes Lourenço

O recente episódio de suspensão, até janeiro de 2015, da divulgação das apurações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, por parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acendeu o fogo das discussões a respeito da interferência governamental na concepção, metodologia e resultados finais das investigações econômicas e sociais levadas a cabo por entidades públicas no país. Nesse caso, o abrupto bloqueio foi definido, sem a feitura de qualquer debate interno na instituição, após questionamentos feitos pelos senadores Armando Monteiro e Gleisi Hoffmann, ambos da base aliada da presidente Dilma.

O propósito da interrupção do cronograma de anúncios seria, segundo comunicado da direção da entidade, o de efetuar adequações dos métodos da pesquisa para garantir confiabilidade aos indicadores de renda domiciliar per capita, que serão empregados para o rateio dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) a partir de 2016, de acordo com designação da Lei Complementar 143/2013.

Frise-se que o órgão havia realizado programação para entregar as estimativas em dezembro de 2015, para a repartição dos haveres em 2017, oriundas da nova pesquisa, de periodicidade trimestral, cobrindo 211 mil domicílios em 3,5 mil municípios, e que viria substituir duas outras: a Pnad Anual e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), também do IBGE. A PME é restrita às regiões metropolitanas (RMs) de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador.

A complexidade da passagem da investigação anual para trimestral exigiu inquéritos-piloto, que começaram em fins de 2011, em 20 RMs, cinco capitais e no Distrito Federal, e foram ampliados para visitas e entrevistas domiciliares, englobando o conjunto do país, a partir de janeiro de 2012.

Coincidentemente, o requerimento apresentado pelos referidos parlamentares veio depois da segunda rodada de anúncio dos cálculos da Pnad Contínua, que mostraram taxa de desocupação de 7,1% da População Economicamente Ativa (PEA) em 2013, contra 5,4% da PEA, segundo a PME, em sintonia com o gradativo declínio da popularidade do governo, denotado por algumas sondagens opinativas.

A diferença de amplitude do desemprego advém das abrangências distintas das duas pesquisas. A PME capta a dinâmica econômica bastante concentrada dos aglomerados urbanos, formados nas metrópoles – justamente os beneficiados, em maior proporção, pelos estímulos tributários usados pelo Executivo federal para alavancar o consumo.

Enquanto isso, a Pnad Contínua incorpora ao comportamento metropolitano a pior performance de parte do interior do país que, à exceção do agronegócio, suportado por elevada escala de produção e densidade tecnológica, mais articulado à demanda e aos preços globais, é penalizado pela falta de atitudes oficiais para impulsionar os investimentos em logística e infraestrutura e montar e executar uma política nacional de desenvolvimento regional, reforçada por um arcabouço agrícola de médio e longo prazo.

No fundo, a intervenção política, seguida da manifestação explícita da preferência pela parada na publicação dos números da Pnad Contínua, expressa, de um lado, o descaso oficial com a reputação internacional do IBGE, construída arduamente pelos seus técnicos durante décadas; e, de outro, a aplicação de diretrizes direcionadas ao cerceamento da
autonomia das agências de planejamento, pesquisa e estatística da nação, o que prejudica a melhor compreensão da realidade e o exercício de confecção de cenários para o palco decisório público e privado.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é diretor-presidente do Ipardes e professor da FAE.