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Brasília abrigou base dos EUA de espionagem por satélite

o Globo

Funcionou em Brasília, pelo menos até 2002, uma das estações de espionagem nas quais agentes da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) trabalharam em conjunto com a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos. Não se pode afirmar que continuou depois desse ano por falta de provas. Documentos da NSA a que O GLOBO teve acesso revelam que Brasília fez parte da rede de 16 bases dessa agência dedicadas a um programa de coleta de informações através de satélites de outros países. Um deles tem o título “Primary Fornsat Collection Operations” e destaca as bases da agência.

Satélites são vitais aos sistemas nacionais de comunicações, tanto quanto as redes de fibras óticas em cabos submarinos. O Brasil não possui nenhum, mas aluga oito, todos do tipo geoestacionário – ou seja, que permanecem estacionados sobre uma região específica da Terra, em geral na linha do Equador.

Há também um conjunto de documentos da NSA, de setembro de 2010, cuja leitura pode levar à conclusão de que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, em algum momento teriam sido alvos da agência. Não foi possível confirmar a informação e nem se esse tipo de prática prossegue.

Essa mesma documentação expõe os padrões da NSA para monitoramento de informações em escritórios estrangeiros, nos EUA. São softwares de espionagem operados a partir de implantes físicos nas redes digitais privadas e em computadores: Highlands é o codinome de um programa de coleta direta de sinais digitais; o Vagrant funciona através de cópias das telas de computadores; e o Lifesaver, via cópia dos discos rígidos onde ficam armazenadas as memórias das máquinas. Os três programas teriam sido usados para espionar dados brasileiros.

Os documentos da NSA foram vazados por Edward Snowden, técnico em redes de computação. Ex-empregado da CIA, ele trabalhou na agência nos últimos quatro anos como especialista subcontratado de empresas privadas. Há um mês, o jornal britânico “The Guardian” publicou reportagens com as primeiras revelações de Snowden sobre operações de vigilância de comunicações realizadas dentro e fora das fronteiras dos Estados Unidos.

No domingo, O GLOBO mostrou que, na última década, a NSA espionou telefonemas e correspondência eletrônica de pessoas residentes ou em trânsito no Brasil, assim como empresas instaladas no país. Não há números precisos, mas em janeiro passado, por exemplo, o Brasil ficou pouco atrás dos Estados Unidos, que teve 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens espionados.

Para tanto, a agência contou com parceiros corporativos no uso de ao menos três programas de computação. Um deles é o software Prism, que permite acesso aos e-mails, conversas online e chamadas de voz de clientes de empresas como Facebook, Google, Microsoft e YouTube, entre outras. Outro programa é o Boundless Informant, para rastrear registros como hora, local, etc., de e-mails enviados ou recebidos. Há também o X-Keyscore, capaz de reconhecer uma mensagem escrita em diferentes idiomas em correspondência de e para o Brasil. E ainda existe o Fairview, pelo qual é possível monitorar grandes quantidades de informações trocadas por pessoas e empresas em distintos lugares.

Brasília se destacou como única estação na América do Sul no mapa descritivo das operações americanas de espionagem por satélites estrangeiros.

Também era uma das duas cidades-base do Fornsat, que hospedaram espiões da NSA e da CIA designados para trabalhar em conjunto nesse programa. Na linguagem característica usada na documentação copiada por Snowden, eles compunham uma força-tarefa, a Special Collection Service (SCS). Além de Brasília, haveria outro grupo em Nova Délhi, na Índia.

A NSA descreve, em apresentação interna datada de 2002, como opera esse consórcio de agências americanas de espionagem. O foco, segundo a documentação oficial, está em “converter sinais de inteligência captados no exterior a partir de estabelecimentos oficiais dos Estados Unidos, como embaixadas e consulados.” Acrescenta: “A NSA trabalha junto com a CIA. (…) Agentes da NSA, disfarçados de diplomatas, conduzem o acervo”. O documento foi feito uma década atrás e não foi possível confirmar se a prática prossegue.

Essas duas agências mantinham equipes SCS em 75 cidades, conforme o documento de 2002. Não foi possível saber se atualmente continuam. Dessas, 65 eram capitais nacionais. Mas os documentos da NSA deixam claro que apenas nas estações de Brasília e de Nova Déli, existiam forças-tarefa SCS com trabalho diretamente relacionado ao programa de espionagem através de satélites de outros países, o Fornsat.

A ação conjunta proporciona “inteligência considerável sobre comunicação de lideranças”, esclarece o documento da NSA de 2002. Ela é facilitada, ressalta, pela “presença dentro de uma capital nacional”.

Complexo para a coleta

O número de “alvos” é grande: “Sistemas de comunicação de satélites comerciais estrangeiros são usados no mundo inteiro por governos estrangeiros, organizações militares, corporações, bancos e indústrias.” A estrutura desse sistema de coleta de informações, segundo a NSA, se baseia nas alianças da agência com empresas privadas, proprietárias ou operadoras: “A NSA, em conjunto com seus parceiros estrangeiros, acessa sinais de comunicação de satélites estrangeiros.”

No mapa sobre operações do sistema Fornsat aparecem de forma claramente identificáveis duas importantes bases militares dos EUA.

Uma é da própria NSA, a de Sugar Grove – “Timberline” é o seu codinome. Fica no condado de Pendleton, em West Virginia (EUA). Segundo reportagem de 2005 do jornal “New York Times”, funciona como uma espécie de central do sistema de coleta de informações por sinais digitais no lado Leste dos Estados Unidos.

Um outro ponto-chave de coleta de dados é a base de Misawa, no Japão. Ali estão estacionadas unidades da Força Aérea dos EUA (basicamente, o 35º Fighter Wing) e um grupamento da Força Aérea de Autodefesa do Japão.

Como as agências de espionagem de outros países, a NSA sustenta grandes investimentos anuais em tecnologia. É o resultado de uma obsessão por Inteligência “acabada” – a produção diária de um conjunto de informações de qualidade para quem detém o poder de decisão na política governamental doméstica e externa. Mas como tudo é segredo nesse ramo, os abusos e os fracassos jamais são conhecidos.