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Eles acham que serão salvos pela TV

Apesar da penetração das redes sociais, os políticos tradicionais talvez tenham razão

Eugênio Bucci

Eles não acreditam em salvadores da Pátria, mas acreditam numa salvadora da velha política: a carcomida, a brega, a velha, a maldita televisão. E talvez estejam certos. Não está descartada a hipótese de que a tela que antes arrematava um tubo de raios catódicos e tinha o apelido de “telinha” – e que hoje, na era do led e seus sucedâneos, é uma “telona” mastodôntica a estragar a decoração dos apartamentos – venha a redimi-los, a reabilitá-los, a dar-lhes uma nova vida quando a morte moral ergue a foice para decapitá-los sem dó.

Eles, os políticos tradicionais dos partidos idem, eles, os profissionais do establishment eleitoral, eles, os capas-pretas do status quo partidário, aparentam segurança quando cochicham entre si que, tão logo comece o horário eleitoral, o eleitorado de Jair Bolsonaro vai começar a derreter como as asas de Ícaro ao Sol. As coisas voltarão ao seu lugar devido e, então, as siglas de costume ressurgirão dos próprios detritos e refulgirão no céu das urnas eletrônicas. Num lance repentino e mágico, num clarão iluminista de razão e de bom senso, os efeitos desinformativos das redes sociais vão se desfazer como nuvens escuras descortinando a luz do dia. O Brasil recobrará o juízo. Enfim, o segundo turno será disputado entre o PT e o PSDB; Geraldo Alckmin e Fernando Haddad liquidarão a fatura. “Ufa”, suspiram os estrategistas tucanos, consolados por antecipação por sua futurologia tecida de retalhos do passado, segundo a qual Geraldo voará como gaivota. “Amém”, secundam os petistas, crentes na magia da transferência de votos de Lula para Haddad.

Por certo que, quando posta assim, a estratégia de tucanos e de petistas – corroborada pelo MDB, essa ameba continental cujo cérebro não está em lugar algum, muito menos em toda parte – soa como um delírio de moribundo. A penetração das redes sociais cresce a cada dia, no Brasil e fora do Brasil, enquanto a televisão aberta vira refém da cafonice, com exceções que são desprezadas pela audiência. O próprio Estado perde a corrida para as redes. Donald Trump fala diretamente com seus seguidores pelo Twitter, num cyberbonapartismo que sobrevoa qualquer mediação institucional. Do outro lado, o lado das velhas tecnologias, os telejornais se esfalfam para conciliar a preservação da sua credibilidade com a necessidade de ceder aos recursos cênicos de programas de auditório. São tempos cruéis para a televisão e para os velhos políticos.

Não obstante, eles, os políticos tradicionais, talvez tenham razão. As chances de que o início do horário eleitoral no rádio e na televisão, agora, no dia 31 de agosto, venha a reequilibrar a disputa não são pequenas. A presença da internet no cotidiano dos brasileiros é ainda muito menor que a presença da televisão. A “telona” tem lugar de honra em 97,4% dos lares (dados da Pnad 2016) e o hábito de acendê-la durante algumas horas do dia e da noite é uma verdadeira religião. Fora isso, uma profusão de pesquisas comprova que os candidatos que têm mais minutos no horário eleitoral têm mais probabilidade de ir bem nas urnas. Entre outros motivos, essa correlação se explica porque os minutos a mais no horário eleitoral só são possíveis quando, por trás deles, costurou-se uma aliança de partidos com boa representação no Congresso. Ora, partidos com representação no Congresso erguem palanques mais representativos nos Estados e recrutam cabos eleitorais mais eficientes nos municípios. Logo, quem domina o horário eleitoral domina também as máquinas partidárias (e, eventualmente, de governo) que costumam resultar em votos. Por fim, a TV aberta, apoiada pelo rádio, é um veículo que ainda inspira mais respeito que as redes sociais. O eleitor a levará a sério.

Jair Bolsonaro, a zebra fumegante, terá apenas 8 segundos diários no horário eleitoral. Geraldo Alckmin, que só sobreviverá se Bolsonaro minguar, deverá ficar com quase 6 minutos. Que ninguém duvide: ele será obrigado a triturar o rival, com uma pestilência igual ou superior àquela com que a marquetolagem do PT destruiu Marina Silva antes do primeiro turno de 2014.

Puxemos pela memória. Naquele ano, a então candidata petista Dilma Rousseff dispunha de 11 minutos e 24 segundos diários no horário eleitoral. Marina Silva, que substituiu Eduardo Campos, morto num acidente de avião no dia 13 de agosto de 2014, na candidatura à Presidência da República pelo Partido Socialista Brasileiro, tinha apenas 2 minutos e 3 segundos. Apanhou como nunca. No horário eleitoral, o PT a acusava de estar aliada a banqueiros gananciosos e de ter planos para tirar o prato de comida da mesa do trabalhador.

Foi uma mentirada sem escrúpulos. Foi também um massacre. Marina Silva, que em meados de setembro daquele ano aparecia nas pesquisas empatada em primeiro lugar com Dilma Rousseff, num patamar de 34%, não passou de reles 21,3% nas urnas do primeiro turno. Ficou em terceiro lugar. As redes sociais, nas quais Marina Silva sempre se saiu muito bem, não bastaram para ajudá-la. Naquele primeiro turno fatídico, Dilma Rousseff manteve a primeira posição e Aécio Neves (você se lembra de Aécio Neves?) chegou em segundo.

O alvo da vez é Bolsonaro. O PT, com cerca de 2 minutos diários no horário eleitoral, também tem interesse em derretê-lo – no que conta com os préstimos da idosa senhora, a TV. Não é improvável que, em sua aliança subterrânea para dizimar as pretensões do corpo estranho, os dois partidos tradicionais, PT e PSDB, sejam bem-sucedidos. A menos que o que venha nas urnas de outubro seja um repúdio em massa, com multidões deixando de votar, anulando votos ou sufragando personagens esdrúxulos para enterrar de vez o sistema político que aí está, a menos que venha por aí um tiririquismo paroxístico em lugar do lulismo desmoralizado, o mito funesto de Bolsonaro despencará feito jaca no meio da rua. Vai ser interessante.

Eugênio Bucci, jornalista, é professor da ECA-USP