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Ônibus mais caro e com menos passageiros

É preciso novo modelo de financiamento do serviço

Otávio Vieira da Cunha Filho

Cerca de 50 milhões de brasileiros dependem do transporte público para trabalhar, estudar e realizar as atividades do dia a dia, sendo que 86% desse total utilizam os ônibus urbanos em seus deslocamentos diários.

Menos eficiente a cada ano, o transporte por ônibus mantém, pelo quarto ano seguido, uma curva negativa para o principal indicador de desempenho do setor: número de passageiros transportados. No período houve uma debandada de um quarto dos usuários (25,9%). Só em 2017, a redução foi equivalente a menos 3,6 milhões de viagens por dia no país.

Os números divulgados nesta quarta (1º) pelo próprio setor não causam espanto; afinal, passagens caras e serviço considerado pela população como de baixa qualidade não fidelizam nenhum cliente. No entanto, chamam a atenção para os desafios enfrentados na recuperação do segmento.

O cenário instável da demanda de passageiros é antigo. A série histórica elaborada pela NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) acusa três momentos críticos para a demanda por ônibus urbano nos últimos 25 anos. O primeiro, de redução acentuada (35,4%), ocorreu entre 1996 e 2004; em seguida, tivemos relativa estabilidade, de 2005 a 2013; e temos agora novo ciclo de queda, de 2014 até hoje.

Por trás da diminuição de passageiros transportados há muitas variáveis, mas um grande culpado: o atual modelo de financiamento, no qual apenas o usuário paga pelo serviço.

Levantamento do setor, com dados divulgados pelo IBGE, aponta que as tarifas do transporte público por ônibus cresceram 847,5% entre 1995 e 2017, valor bem acima da inflação (IPCA) do período.

Para entender esse descompasso, é preciso saber que o cálculo do valor da passagem sofre impacto direto de gastos com mão de obra (de 50%) e com o óleo diesel, que representa 22% do custo da operação.

Vale registrar que, nos últimos 19 anos, só o diesel aumentou 254,1% acima da inflação. Para piorar, o custo das gratuidades, que até 2016 onerava em 17% o valor das passagens, subiu para 21% no ano passado.

É até possível compreender a dinâmica dos aumentos tarifários; ainda assim, é inadmissível manter o passageiro como refém desse modelo, pagando a conta sozinho, sem a previsão de financiamento específico para o transporte público, um direito social previsto na Constituição.

Precisamos ampliar a visão e compreender que não há solução definitiva para a mobilidade urbana que não seja pública e coletiva. Para assegurar o cumprimento do direito básico de ir e vir, de modo a atender efetivamente às necessidades da população, devem-se fortalecer as redes públicas de transporte coletivo.

Usuários do transporte público, que compõem a maioria do conjunto de eleitores, têm demandado resposta concreta do poder público para os principais desafios do setor.

Assim como a sociedade, nós, operadores do sistema, acreditamos que seja possível oferecer transporte de qualidade, com transparência e tarifas acessíveis, com a adoção de algumas políticas públicas essenciais e um novo regime de financiamento do serviço, mais equitativo e justo. Sem essas ações, o transporte público estará fadado à extinção.

Otávio Vieira da Cunha Filho, presidente-executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) e ex-diretor do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Belo Horizonte (Setransp/BH)