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Vacinar é proteger

 

Michele Caputo Neto

Poucas ações em saúde tem dado tanto resultado quanto à vacinação em massa. Além do foco cada vez maior em saúde preventiva, com os programas de saúde da família, o Brasil obteve grandes resultados graças às campanhas e a toda mobilização para imunizar a população contra uma série de doenças.

E estávamos vencendo essa guerra. Novas vacinas sendo produzidas, excelente logística de distribuição, melhor estrutura nas unidades de saúde para aplicação, sistemas de controle como as carteiras de vacinação exigidas nos programas sociais e, principalmente, maior conscientização da população. Mitos e boatos foram sempre desmentidos, mesmo que surgissem novos a cada avanço na área de imunização. Quem nunca ouviu que a vacina da gripe causa a doença? Mito derrubado por uma série de pesquisas e instituições.

O Brasil chegou a ser referência mundial por causa da amplitude do nosso programa de imunização. Criado na década de 1970, o Programa Nacional de Imunização (PNI) começou com a distribuição gratuita de quatro vacinas e hoje são 27 tipos disponíveis à população.

Mas aconteceu algo inesperado no caminho. Desinteresse?

Desde 2013, a vacinação contra doenças como caxumba, rubéola e sarampo vem caindo ano a ano. O sarampo inclusive chegou a ser considerado eliminado no território nacional e agora está voltando. Primeiro por imigrantes que não tiveram a mesma atenção vacinal que os brasileiros receberam durante décadas; segundo por brasileiros que não aderiram às campanhas de vacinação. Os casos se concentram na Região Norte, o que não diminui sua importância e serve de alerta para todo o País.

Uma das razões do alerta é que antes da chegada dos imigrantes, o Brasil já havia constatado casos autóctones da doença, que é quando a contaminação acontece aqui no País. Em 2016, os estados nordestinos do Ceará e de Pernambuco viram cair a taxa de vacinação entre 2013 e 2015, depois de 10 anos com cobertura acima de 95%. Junto com a redução da vacinação surgiu um surto de sarampo que começou Pernambuco e se alastrou para 38 municípios do Ceará. Ao todo, foram 1.277 casos nos dois Estados.

A poliomielite, responsável pela paralisia infantil, foi considerada erradicada no Brasil desde 1994. No mundo, a Organização Mundial de Saúde prevê sua erradicação para breve. Mas o vírus ainda não foi erradicado do planeta e o Brasil não pode baixar a guarda contra a doença.

Acontece que, depois de alcançar mais de 100% das metas de vacinação, as taxas de alcance da vacinação contra a poliomielite registrou uma redução drástica desde 2008. Em 2016 despencou, foram vacinados 84% da população, contra uma meta de 95%. São 16% de pessoas que deixaram de ser imunizadas.

Outro exemplo claro foi o avanço da febre amarela, que graças às ações de controle implantadas aqui no Paraná, não sofremos com o mesmo mal que Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Baixas coberturas vacinais abrem espaço para o ressurgimento de doenças antes tratadas como erradicadas ou eliminadas como problema de saúde pública.

O fato é que, nos últimos anos estamos vendo uma baixa adesão às campanhas de diversas vacinas. A imunização vem caindo. Em 2016, seis vacinas tiveram cobertura abaixo da meta. Em 2017, quase todas ficaram abaixo dos 90%. Apenas uma, a BCG, que combate a tuberculose, ficou dentro da meta.

A imunização de bebês também reduziu. A taxa de vacinação dos menores de um ano é a menor desde o ano de 2000.

A mesma situação encontramos na vacinação contra a gripe. A campanha teve que ser prorrogada várias vezes porque não atingiu as metas de cobertura nos chamados públicos-alvo, principalmente entre as crianças de seis meses a cinco anos em que o índice de vacinação chegou a menos da metade, conforme relatório do Ministério da Saúde.

É uma situação crítica sui generis. Nenhum problema de saúde no Brasil tem um sistema tão eficiente de combate e de solução. O Programa Nacional de Imunização é eficiente e conta com recursos financeiros que nenhum projeto de contenção de gastos atingiu. Temos uma infraestrutura física e de pessoal pronta para entrar em ação – o que, aliás, acontece diversas vezes por ano.

A queda da vacinação é um caso grave, com uma solução conhecida e disponível. Basta uma maior conscientização da população e uma mobilização radical do Estado em todos os seus níveis, municípios, estados e União. Não podemos deixar nossas crianças desprotegidas. Vacinar é proteger!

Michele Caputo Neto é farmacêutico e ex-secretário de Saúde do Paraná