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O fator Joaquim

O fator Joaquim

Mesmo ainda não oficializada, a candidatura do ex-ministro do STF a presidente sacode as eleições: ele é visto como o candidato que moralizará o País

Rudolfo Lago e Tábata Viapiana

Em dezembro do ano passado, uma delegação de nove deputados do PSB foi conversar com o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, em seu escritório de advocacia no bairro do Jardim Paulista, em São Paulo. O articulador da reunião, o líder do PSB na Câmara, Júlio Delgado (MG), pediu a todos que chegassem uma hora antes e que se reunissem primeiro numa padaria próxima do escritório. “Olhem só, ele não é fácil”, advertiu Delgado. “É muito formal, fechado. Exige ser tratado como ministro. Vamos, então, com cuidado”. Para surpresa de todos, Barbosa recebeu-os com sorrisos. O deputado César Messias (AL) não se conteve: “Ministro, o Júlio Delgado fez todo mundo chegar uma hora antes, cheio de recomendações sobre como tratar o senhor”. Barbosa sorriu: “É porque ele é mineiro e desconfiado, como eu”. Risos gerais. O ex-ministro acabava de ser mordido pela mosca azul da política.

Se desde então ainda havia dúvidas em Joaquim Barbosa quanto ao projeto de disputar a Presidência, elas diminuíram significativamente com a pesquisa Datafolha, publicada no domingo 15. Posto pela primeira vez como alternativa, Barbosa oscila nas intenções de voto entre 8% e 10%. Ele já aparece em terceiro lugar, atrás apenas de Jair Bolsonaro (PSL), com 17%, e Marina Silva (Rede), com 15%. Tem mais intenções de votos do que Geraldo Alckmin (PSDB), que varia entre 6% e 8%.

Apoio às reformas

A entrada de Barbosa embaralha o jogo porque, como mostra a pesquisa, ele tira votos tanto da chamada direita como da esquerda, além de interferir mais diretamente nas candidaturas do centro. Joaquim não é dado a conceder entrevistas, mas desde que deixou o STF, aposentando-se precocemente por causa de fortes dores na coluna em 2014, tem usado muito as redes sociais para se expressar. E, por esses meios, apresenta uma plataforma de idéias que mescla posições mais de esquerda nos costumes com outras mais liberais na economia. Ele defende, por exemplo, a privatização de estatais desde que não se mexa nas chamadas “joias da coroa” como a Petrobras. Defende reformas estruturais como a da Previdência, desde que também se vá em cima das empresas devedoras.

Mas o que explica o fato de um ex-ministro do STF, há quatro anos aposentado e afastado do noticiário, que nunca teve militância político-partidária, ter tal capacidade de embaralhar um jogo sucessório dos mais complexos já vividos pelos brasileiros? “Ele entra no perfil ideal do que quer o eleitor. Tem origem humilde, carrega a bandeira do combate à corrupção e não está envolvido em problemas éticos”, afirmou Murilo Hidalgo, diretor do Instituto Paraná Pesquisas. Na condução do processo do mensalão, ele ganhou notoriedade nacional ao enfrentar o poder político e econômico de maneira até então jamais vista no País: 25 políticos do PT, incluindo o ex-ministro José Dirceu, foram condenados por corrupção.

Nem tudo são flores. Na quinta-feira 19, Joaquim Barbosa pôde sentir o peso de problemas regionais que sua candidatura a presidente representa dentro do PSB. Ao participar da primeira reunião com a cúpula do partido, em Brasília, para analisar o lançamento de sua candidatura, ele percebeu que vai ter que vencer fortes opositores internos. Ladeado pelo presidente Carlos Siqueira e pelo secretário-geral Renato Casagrande, Joaquim ainda não falou como o candidato, mas foi o centro das atenções. O ex-ministro disse que ainda não se sentia candidato: “Ainda falta muita coisa”, disse Joaquim após a reunião.

Comissão eleitoral

Para vencer as resistências, Siqueira criou uma “comissão eleitoral”, formada pela executiva do partido e por seus quatro governadores. A reunião com Joaquim na quinta-feira já contou com a presença dos integrantes desse grupo. Quando desceu de seu carro, ele assustou-se. Havia um grupo de cerca de 20 militantes da Negritude Socialista Brasileira, movimento negro ligado ao PSB. Pretendiam fazer Barbosa entrar na sede do partido debaixo de uma chuva de pétalas de rosa. Ele evitou o grupo. Virou para o lado direito contornando-os. Com o movimento, despistou também um pelotão de jornalistas. “Que aparato foi esse?”, espantou-se, após subir os três lances de escada até a sede do PSB. “Foi o senhor que trouxe essa gente para cá, ministro”, respondeu o vice-presidente do PSB, Beto Albuquerque.

A manutenção das resistências ficaram explicitadas na reunião, quando governador Márcio França (SP), que é também o secretário nacional de Finanças do partido, deixou o encontro apenas 30 minutos depois dele começar. Fez elogios a Joaquim, mas foi taxativo: “A melhor opção para o País é Alckmin”. Ricardo Coutinho também saiu antes. “A pesquisa Datafolha foi realmente um fator muito importante, mas ainda não definitivo”, disse o governador da Paraíba, que deixou clara sua opção por fazer uma aliança com o PT. Ao final da reunião, ao falar pela primeira vez com os jornalistas, o próprio Barbosa disse saber que há questões regionais a serem contornadas. Mais do que isso. Ainda pesam questões pessoais. “Eu mesmo ainda não me convenci a ser candidato”, afirmou. Aparecer, no entanto, já de saída, como terceiro colocado, é algo que impacta o ministro. “Para quem não frequenta o ambiente político, não dá entrevistas e tem uma vida pacata, foi muito boa a pesquisa”, disse. “Nós já sabemos que ele tem potencial para ir ainda bem mais longe”, avalia Carlos Siqueira.

Um estudo realizado pela empresa Idéia Big Data, divulgado pelo jornal Valor Econômico, indicou que eleitores das classes C, D e E acreditam que ele reúne características de duas figuras de destaque no cenário nacional: as do juiz Sergio Moro e as do ex-presidente Lula. Ou seja, possui qualidades no combate à corrupção e empatia com os mais pobres — uma combinação eleitoral poderosa. No estudo, Barbosa chegou a ser citado como “Batman”, “Cavaleiro das Trevas” e “Cruzado de Capa”, uma clara demonstração à imagem de “herói” que o ex-ministro carrega. Os eleitores ainda enxergam nele semelhanças com a biografia de Lula. Barbosa é visto “como um batalhador, vencedor, o menino pobre que venceu na vida”. O ex-ministro não vem de uma linhagem política e nem de grupos econômicos poderosos. Pelo contrário, tem uma história que o aproxima da maioria dos eleitores. Nasceu em lar humilde, filho de um pedreiro e uma faxineira, primogênito de oito irmãos, estudou com dificuldade, formou-se em Direito e chegou à presidência do STF, o lugar mais alto que um advogado pode chegar.

Um presidente negro

“Ele encarna a necessidade de renovação política, mas mantendo princípios e valores claros, trazidos da sua atuação no Supremo”, resume o deputado Júlio Delgado, um dos mais ardorosos defensores da sua candidatura. Em maio do ano passado, o ex-ministro fez uma provocação nas redes sociais: “Será que o País estaria preparado para ter um presidente negro?”. Ao ler a frase, Júlio Delgado pediu uma audiência com Barbosa. Foi ao seu encontro no seu escritório de advocacia em Brasília. Encontrou um Joaquim formal, grave e rigoroso. “Pois não? Em que lhe posso ser útil?”, perguntou Joaquim. “Vim aqui porque fui provocado pelo senhor. Acho que o Brasil está mais do que preparado para ter um presidente negro”.

A partir daí, as conversas evoluíram. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, comprou a idéia. Tem sido ele o responsável por tentar quebrar as resistências internas. “Aparentemente, Joaquim é o candidato que queremos. Mas ainda precisamos conhecê-lo melhor”, disse Siqueira a ISTOÉ, demonstrando os cuidados de cravar a candidatura antes de todo o périplo de conversas do ex-ministro com os líderes do partido. Inicialmente, Barbosa dizia que só entraria no PSB se o partido garantisse que ele seria candidato à Presidência. “Ministro, isso não tenho como garantir. A candidatura vai precisar passar por conversas internas. Nem o Eduardo Campos (ex-governador de Pernambuco morto em um desastre aéreo na campanha de 2014) conseguiu isso”.

O namoro durou oito meses até que Barbosa, enfim, assinasse a filiação ao partido no dia 6 de abril. Mas o longo tempo de maturação das conversas no PSB demonstram que ainda há muito chão para pavimentar a estrada que vai levar Barbosa à Presidência. Para Murilo Hidalgo, ele “terá que aprender a lidar com o meio político e minimizar sua personalidade autoritária”. Pesa contra o ex-ministro, e isso também foi identificado no estudo da Big Data, justamente seu temperamento explosivo e falta de paciência. Durante o mensalão, Barbosa abusou de discussões e trocas de farpas com colegas de Corte, especialmente com os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Em 2009, ele chegou a dizer a Gilmar Mendes: “Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”. Barbosa foi também condenado em segunda instância por ofender um jornalista, dizendo que ele deveria “chafurdar na lama”. Sua sorte é que condenação por crimes de opinião não entram na vedação prevista na Lei da Ficha Limpa e ele pode ser candidato. Contornando as cascas de banana pelo caminho, Joaquim já tem a receita para um bom plano de governo: respeitar a Justiça, a ética e a moralidade.