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FHC diz que seria ‘oportunismo’ PSDB deixar logo o governo Temer

fhc4 (1)Ao comentar as denúncias recentes contra o presidente Michel Temer e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse, em entrevista veiculada pela Rede Bandeirantes na noite deste domingo, que “todas as pessoas têm direito de defesa”.Além disso, disse que seu partido, o PSDB, “tem que ter cautela” para desembarcar do governo por apoiar desde o início o plano econômico de Temer. Disse que seria “oportunismo” sair correndo num primeiro momento. Não descartou, no entanto, uma mudança de opinião do partido. A entrevista foi gravada no fim da tarde da última sexta-feira, segundo a assessoria de imprensa da emissora.

A entrevista ocorreu num momento em que, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, o ex-presidente está dando início a uma articulação com o fim do governo Temer já em mente.

Na entrevista, o FH defendeu uma saída para a crise que inclua o PT. “Sei que isso vai desagradar ao pessoal do meu lado, mas você não vai eliminar, tirar da cena brasileira a existência de pessoas que pensam do jeito que o PT pensa”, declarou. Apesar de admitir que Temer terá dificuldades em levar adiante as reformas junto ao Congresso, FH não se alongou sobre a crise política pela qual passa o atual governo, elogiando o primeiro ano do governo Temer.

Comparou ainda o caso de Aécio Neves ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dizendo que Aécio foi “alvejado de maneira grave”, elogiou a decisão do senador de se afastar do partido. Indagado se as acusações representam o fim da carreira de Aécio, FH disse:

– Em política é muito difícil afirmar se há essa questão. Veja o caso do Lula: há quanto tempo ele está aí, respondendo processo de gravidade – não vou julgar, como não julgo o Aécio, pois ele pode se defender. O desgaste é imenso e ele é candidato, o povo diz que vota.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

PSDB FORA DO GOVERNO?

Segundo FH, num primeiro momento, “houve no PSDB pessoas que queriam desembarcar”. Ele citou até uma nota divulgada por ele na semana passada, “sobre o que eu pensava, na qual eu disse que temos que ter a Constituição como nossa boia”.

– Num momento de tanta turbulência, se você se afastar da Constituição, você não tem mais onde se segurar.

Segundo FH, “as pessoas têm o direito de defesa”.

– Não digo isso por causa do presidente Temer ou do Aécio Neves, digo isso também sobre o PT. Não tem que ter julgamento antes da hora. Pode ter suspeitas, tem que ter direito de defesa. Se fica evidenciado que não tem defesa, que a defesa não é aceitável, e os outros concordam, aí tem a obrigação moral de renunciar para abrir espaço para construir um futuro – afirmou.

– O PSDB achou que tinha que desembarcar como se não tivesse nada a ver com o governo, e ele tem. Acho que seria oportunismo sair correndo. Foi muito apoiado pelo PSDB (o plano econômico), então o PSDB tem responsabilidade e não cabia, ao meu ver, dar uma apunhalada nas costas do presidente naquele momento. Não havia nada claro, se o próprio presidente não sabia qual era a transcrição, muito menos nós. O PSDB tem que ter cautela e também não pode dizer que não pode mudar de posição. Tudo depende.

BASE DE TEMER

Fernando Henrique admitiu que Temer terá dificuldade em manter a base no Congresso para aprovar as reformas propostas pelo governo, embora tenha avaliado o primeiro ano do presidente como positivo.

– Vai ser difícil. Não adianta remar um pouco mais, tem que dar um rumo. Não podemos ficar sem rumo – disse o ex-presidente, sem se alongar no assunto. Em seguida, defendeu as reformas de Temer:

– Ele deu um rumo. Achei pouco reconhecido e ele deu um rumo positivo onde podia dar, com reformas e economia. O social é necessário, mas quando não tem como comer, tem que dar comida. 14 milhões de desempregados é um numero assustador, ele tentou equacionar por aí – comentou, para em seguida dizer: – As bases parlamentares no Brasil são instáveis, você constrói uma base para um projeto, mas isso (a reforma) é permanente. E tem que mudar, reconstruir sempre.

AÉCIO

FH admitiu que Aécio Neves “foi realmente alvejado de uma maneira grave”

– O que ele fez? Se afastou do partido. Ele mesmo tomou a decisão de que não dava mais. Até que prove, se é que consegue provar, sua inocência, acho que agiu, nessa etapa, como tinha que agir. Não esperou que outros tomassem a dianteira. Conheço bem e gosto do senador Aécio. Agora, os fatos são fatos, como tem uma gravação publicada ele ficou inviabilizado de permanecer na presidência do partido até poder esclarecer. Isso não absolve, mas era prática corrente. Foi essa prática que ninguém quer mais.

Indagado sobre se a carreira de Aécio acabou, ele comparou o caso do senador mineiro ao de Lula:

– Em política é muito difícil afirmar se há essa questão. Veja o caso do Lula: há quanto tempo ele está aí, respondendo processo de gravidade – não vou julgar, como não julgo o Aécio, pois ele pode se defender. O desgaste é imenso e ele é candidato, o povo diz que vota. Politicamente a pessoa deve, se achar que não tem saída, deve pensar no Brasil. Acho que Aécio pensou no PSDB ao se afastar. Não ficou esperando. Tirar o mandato é outro processo, precisa de mais comprovações. Não é defensiva em relação ao PSDB, tenho essa atitude. A justiça tem que exercer seu papel, esse é culpado e esse não.

AÉCIO E TEMER

Questionado sobre como agiria se estivesse na posição do presidente Michel Temer, FH disse que estaria refletindo sobre o próximo passo, embora tenha destacado que o atual momento exige uma rapidez em decisões envolvendo o país. Apesar de não mencionar Aécio Neves, citou a suspensão do senador como um dos fatores que indica necessidade de “ordem na casa”:

– A esta altura, eu estaria considerando o futuro do Brasil e pensando bem se eu teria condições de governar. Pensando, então, não na pessoa, mas no país. É uma decisão de governo. Eu sou reflexivo e preciso de tempo. Não muito, porque as coisas vão variar com muita velocidade, se desenvolver com muita rapidez. E não sem julgar, porque um julgamento é muito complicado, estamos passando um momento de anomia, há falta de organização e autoridade. E é em toda parte, o Ministério Público autoriza que um empresário ponha um microfone para pegar um presidente, não é uma coisa banal. As delações, algumas conversas são impublicáveis pelo tipo de relacionamento de quem dá e recebe. Um ministro suspende um senador… Não estou julgando, estou dando elementos para perceber que está faltando um pouco de ordem na casa. Quando fui ministro da Fazenda tínhamos isso. Se você não tem condições de colocar ordem na casa e permitir um rumo, o Brasil começar a se desorganizar.

JOESLEY E TEMER

O ex-presidente alegou ter se colocado na situação vivida por Temer, que classificou como “embaraçosa”, ao ser indagado sobre a necessidade de decidir renunciar ou não. Ele sugeriu que o diálogo proposto por Joesley seria recorrente, alegando que presidentes seriam procurados para tratar “temas impróprios”:

– Eu acho que o presidente Temer pode ter a decisão e tinha que falar para o país o que aconteceu, do ângulo dele. As transcrições não são taxativas, a situação é embaraçosa. O presidente receber uma pessoa que leva certos temas, eu até procurei me colocar no lugar dele, já fui presidente, às vezes vem alguém arrogante e fala temas impróprios. Pessoas que têm um certo tipo de educação como o presidente Temer, e eu também, têm uma dificuldade de cortar, mas têm que evitar que se crie uma situação desse tipo. Pode haver um incidente assim. Acho que o presidente Temer foi sincero quando falou isso (sua versão da história). Isso não explica tudo, não explica a situação e o resto do Brasil, não é só isso. É uma coisa atrás da outra.

REFORMA POLÍTICA

Indagado sobre reformas que transitam no Congresso como o fim das coligações nas eleições proporcionais e o fim da cláusula de barreira , que limitaria o número de partidos, FH disse que , se “mantidas as condições atuais” , essas duas medidas são “o único passo que dá tempo para fazer antes de 2018”.

– Porque depois tem que entrar em outro tema: ‘quem paga a democracia e quanto custa – disse. – Você primeiro tem que baixar o custo de campanha, e como você baixa o custo dela? – completou.

– É muito complicado, tem mil maneiras, mas essas duas medidas são importantes. O Brasil como tá hoje tá demais, não dá”. Ele disse que pensa contrário da maioria de seus companheiros partidários e políticos sobre o tema candidaturas independentes. “Candidatura independente, porque precisa arejar. Tem que discutir com mais seriedade se o voto tem que ser obrigatório, tem muitos temas que são quase tabu que vão ter que ser enfrentados, porque tá estourando ”. FH disse que no tempo dele “com três ou quatro partidos” ele tinha maioria para reformar a Constituição. “Hoje o maior partido é o PMDB, depois o PT, depois o PSDB. Somos três, e não dá 200 (cadeiras) e eles não se somam. Como se governa? Não dá”. “Como você pode ter um projeto para valer se tem tudo fragmentado? Não dá.

MINISTÉRIO PÚBLICO

Indagado sobre “posturas às vezes messiânicas” de integrantes do Ministério Público, e como isso interfere na política, FH disse: “qualquer germe de messianismo é perigoso, porque leva no fundo ao autoritarismo. Se eu sou a verdade e tenho a verdade, então eu vou matar quem não é verdade. A democracia exige aceitar o outro, a diversidade. Você não pode ter a pretensão num ponto de partida de que você tem a pretensão absoluta. Os procuradores que tiverem essa posição são contra a democracia, mesmo que eles não saibam”.

INSTITUTO LULA

FH falou sobre o depoimento que deu no processo do Instituto Lula. “O Paulo Okamotto me colocou lá (como testemunha de defesa), eu nem discutir, fui depor. Muita gente me criticou. Não achei que tivesse errado, não. Fui lá para dizer o que acho, o que penso. Nem defendendo nem atacando, a justiça pediu e eu fui lá. Não basta mudar as instituições, nossa cultura não é democrática”.

PT E DISCUSSÕES PARA RESOLVER A CRISE

FH diz que confia numa saída da crise e que é preciso “jogar junto”. “E eu vou incluir o PT nisso”.

– Sei que isso vai desagradar o pessoal do meu lado, mas você não vai eliminar, tirar da cena brasileira a existência de pessoas que pensam do jeito que o PT pensa. Não do que ele faz, no sistema de se manter no poder, mas falar em nome da igualdade. Isso é importante, você vai ter que incluir esse tipo de conversa. Você não vai falar só de mercado, eficiência, também é importante. Mas é o momento de dizermos, vamos juntos por esse caminho. E esse caminho implica em reconhecer as coisas que estão ocorrendo no mundo. (…) Temos que ser capazes de chegar num entendimento nós vamos sair do mapa do mundo (…). E tem que ter liderança, não sei sai desse atoleiro sem liderança.

FH não negou interesse em articulação com outras lideranças, incluindo o ex-presidente Lula, para discutir novos cenários políticos no país.

-Eu acho que na situação que estamos não vamos sair se não houver conversa ao redor de uma agenda pública. Vai ser necessário que haja uma conversa pública de partido, mas também dos líderes sindicais, de movimento de terra, da igreja, temos que restabelecer confiança.

O ex-presidente também não descarta a possibilidade de liderar as conversas.

– Normalmente as lideranças são institucionalizadas. Quando o presidente tem condição de convocar, melhor. Se não o presidente da República, é possível de toda maneira (a convocação) pelos líderes partidários, inclusive eu. Eu teria de conversar primeiro com o presidente do meu partido, Tarso Jereissati, mas eu faria.

DORIA e HUCK

Indagado sobre os perigos de um “outsider” na política, FH defendeu que nem sempre uma nova liderança pode ser considerada um erro. O presidente de honra do PSDB foi questionado sobre a possibilidade de novos nomes como candidatos numa próxima eleição presidencial, como prefeito João Doria ou o apresentador Luciano Huck, e afirmou que a facilidade que ambos apresentam como redes sociais pode ajudá-los, embora não seja decisiva.

– Você precisa ter um nome nacional, e em função do nosso mecanismo de difusão, quem é nome nacional? Quem foi presidente ou quem é candidato a presidência. Nesse patamar que se abrem os meios de comunicação e o povo se abre para ouvir. Tem momento que o povo não quer ouvir. É difícil pegar gente boa e que consiga um acesso mais amplo, e isso se consegue com a rede”, disse.

– Ele (Doria) sabe fazer isso (trabalhar com redes sociais). Isso vai ter papel. Agora, vai ser decisivo? Não sei.

Sobre Huck:

– Sou amigo da família do Luciano (Huck) e sei que ele é uma pessoa de sensibilidade social. Você pergunta se isso é suficiente, não é, mas depende dessas circunstâncias.

PINGUELA

FH disse que foi “mal interpretado” ao dizer que o governo Temer era uma “pinguela”.

_ Eu não quis criticar o Temer. Eu passei por outra pinguela, que foi o Itamar Franco. É um governo de transição. Dar certo ou não dar certo é chegar ao outro lado, uma nova eleição, passar a faixa e nesse meio termo colocar um rumo. Se não atravessa a pinguela, corre o risco de cair na água, não ter outro lado. No meu pensamento, vamos ajudar esse governo a atravessar a pinguela e criar força capaz de expressar o sentimento dessa massa que não é dos infelizes, mas de quem tem esperança. Ninguém ganha eleição com passado e desilusão.