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Democracia não se faz na marra

Ninguém pode impor as próprias convicções – ainda que sejam as mais legítimas – pela força

Editorial, Gazeta do Povo

O Paraná se refaz lentamente do choque sofrido na quarta-feira, quando mais de 200 pessoas ficaram feridas após o confronto entre policiais e professores em greve, enquanto dentro da Assembleia Legislativa os deputados estaduais aprovavam o projeto de lei que muda as regras da Paranaprevidência. Na quinta-feira, neste mesmo espaço, mostramos a responsabilidade do governo estadual no triste episódio do dia 29 de abril. Mas seria injusto não mostrar que há um outro lado da moeda: o clima de conflito foi construído por grupos dispostos a usar métodos que contrariam a democracia.

Propomos aos professores e demais leitores da Gazeta do Povo um exercício retórico: se a Assembleia Legislativa estivesse se preparando para votar um projeto de lei sobre qualquer outro assunto, e um grupo interessado em que esse projeto fosse rejeitado decidisse que usaria todos os meios possíveis, inclusive a possibilidade de invadir o plenário, ou impedir que os deputados se deslocassem até o prédio, como tal ação seria avaliada? O exercício se torna ainda mais interessante se o leitor pensar em um projeto de lei cujo conteúdo seja de seu agrado, ou que seja indubitavelmente nobre ou positivo, embora tenha lá seus oponentes: é lícita ou é condenável uma ação que busque impedir a votação de acontecer?

O exercício testa nossa adesão a uma tese central da democracia: a de que ninguém pode impor as próprias convicções – ainda que sejam as mais legítimas, as mais justas, as mais nobres – pela força, e sim pelas vias institucionais, ainda que estas sejam falhas. A democracia requer saber aceitar as derrotas. Lembremo-nos da campanha das Diretas Já: milhões foram às ruas, mas a Emenda Dante de Oliveira acabou rejeitada. Mesmo com a decepção inicial, abriu-se o caminho para que o Brasil tivesse seu primeiro presidente civil depois de 20 anos de ditadura militar e, em 1989, os cidadãos pudessem votar para presidente pela primeira vez em quase três décadas.
Outro exemplo mais recente é o do movimento O Paraná que Queremos, surgido na esteira do escândalo dos Diários Secretos. A sociedade se mobilizou e até houve um trabalho de moralização da política paranaense, mas que ainda não se completou (poucos dias atrás o Conselho de Ética da Alep livrou Nelson Justus de um processo que poderia levá-lo à cassação). Mesmo assim, o movimento gerou sementes de conscientização que, esperamos, frutifiquem no médio e longo prazo.

Voltando a nosso exercício, boa parte dos leitores que condenariam uma ação que buscasse impedir a Assembleia Legislativa de votar um projeto de lei demonstra a compreensão de que, em uma democracia, as ideias não se impõem pela força, mas pelo convencimento, usando as instâncias que a própria democracia nos oferece (ainda que, como dissemos, essas instâncias possam falhar, e falham). Pertencem também a este grupo aqueles professores que, de boa-fé, foram ao Centro Cívico e lá acamparam, esperando com isso sensibilizar os deputados, mas que discordavam de qualquer tentativa de impor sua vontade recorrendo à invasão da Assembleia ou a artifícios para impedir ou interromper a sessão de votação.

Mas, infelizmente, essa mentalidade não estava na mente de certos líderes sindicais presentes no Centro Cívico. De antemão, eles se mostraram dispostos a não aceitar o resultado das deliberações dos representantes do povo, reunidos no Legislativo, e fazer o que fosse possível para que esse resultado não se concretizasse, como mostramos em nosso editorial de quarta-feira. Aqui pode residir uma incoerência: há quem até condene uma ação que impeça a votação de um “bom” projeto de lei, mas a considere legítima quando se trata de algo que ameace seus interesses. Não é assim que a democracia funciona. O credo democrático vale para todas as situações, independentemente do mérito do que está sendo votado ou da nossa opinião sobre o assunto. É por meio das instituições que o jogo democrático é jogado. O caminho institucional torna ilegítimo e antidemocrático qualquer recurso à força para, por exemplo, interromper sessões legislativas ou coagir parlamentares quando se percebe que o resultado final de determinada votação não será o esperado. Por isso, é preciso que aqueles que foram ao Centro Cívico dispostos a ajudar seus líderes a conseguir seu intento, não importando o que fosse necessário para tal, repensem sua atitude e se perguntem se não estarão, lentamente, desenvolvendo uma alma ditatorial.

A violência policial demonstrada na quarta-feira não pode nos cegar para o fato de que aqueles que incentivaram, ao longo do tempo, a postura de confronto com o governo estadual e mostraram-se dispostos inclusive a agir para barrar a sessão da Assembleia Legislativa também precisam ser cobrados; do contrário, eles verão um sinal verde para seguir em frente com a estratégia da intimidação. Bem sabemos que, diante das fortes imagens de professores feridos, esta posição pode soar antipática. Mas quem não compreende a importância de defender a ordem e as instituições em um momento como este não compreendeu nada a respeito da democracia.